segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

OS QUE SE FORAM

Por motivo qualquer, contra a vontade
A gente deixa a terra em que nasceu.
No peito, só lembranças, só saudades.
Assim se foram tantos. Também eu.

A gente volta se a saudade aperta
Pra mitigá-la no cantinho antigo.
E a dor pungente de um'alma deserta
Se esvai no ar ao lado de um amigo.

E o que se foi e por qualquer razão
Não pôde retornar? Ah! Como sente
A dor que lhe corroi o coração.

- Navio triste que não torna ao cais-
Que pena que me dá toda essa gente,
Esses que foram e não voltaram mais.

domingo, 28 de fevereiro de 2016

A POÇÃO DO RAIZEIRO

            Jeremildo Paixão, depois de uma viuvez de cinco anos, já madurão, apaixonou-se por uma morena bem mais jovem e, pouco tempo depois estava casado de novo. A dificuldade era desempenhar o seu papel de marido na proporção das expectativas da Marinalva, no fogo de seus vinte anos. Indicado por um amigo, procurou o Chico Raizeiro, especialista em rezas, poções e garrafadas para todos os males.
            - Pois é, Seu Chico, estou precisando de um reforço para dar conta dos meus deveres de marido. O Senhor sabe, né. O tempo vai esmorecendo a gente e conto com a sua ajuda para voltar a ser como eu era há vinte anos atrás.
            - Pode ficar tranquilo, Seu Jeremildo. Vou preparar uma garrafada que é tiro e queda. O Senhor vai voltar a ser um rapazinho de vinte anos. Ou menos. Pode vir aqui no sábado porque eu preciso rezar na raizada na sexta-feira à meia noite. É nessa hora que o caboclo baixa e a poção passa a ter efeito.
            O Jeremildo se despediu e, no dia marcado, estava na porta do raizeiro para levar a tão esperada garrafada. Recebeu a poção, pagou a conta e começou a bebericar o líquido na esperança de uma vida a dois mais ativa.
            Uma semana depois, retorna o Jeremildo ao raizeiro, aborrecido e queixoso:
            - Olha, seu Chico, a coisa não funcionou, não. E o pior é que estou sentindo um calor estranho aqui nas partes do fundo. Coisa que nunca vi. Cheguei até a sonhar com meu compadre Miguelão. Sonho mais esquisito!... Nem tenho coragem de contar. E a patroa tá querendo até me largar por causa de meu afastamento.
            O raizeiro coçou a base da nuca, matutou por uns instantes e pediu tempo:
            - Pera aí, Seu Jeremildo, vou lá dentro verificar o que aconteceu.
            Voltou com uma garrafa na mão e, com um semblante aliviado, justificou:
            - Tá aqui, Seu Paixão, a sua garrafa. Essa que o Senhor levou eu tinha preparado para a comadre Minervina que, já com setenta anos de vida, amigou-se com rapaz de vinte e cinco. Fiz confusão e acabei entregando ao Senhor a garrafa preparada para ela.
            Jeremildo agradeceu e despediu-se, levando na mão uma nova esperança engarrafada. Se funcionou eu não sei. Pergunte lá à Marinalva.