terça-feira, 1 de agosto de 2017

A VIDA
Andei hoje pensando nas incoerências da humanidade. Não sou inovador neste ponto. Já disseram antes que o homem tem facilitado cada tarefa de sua vida, reduzindo o tempo para tudo, mas acaba não tendo tempo para as coisas mais importantes.
A comunicação hoje é instantânea, seja lá onde os comunicadores estiveram. Consigo falar com qualquer pessoa no Japão como se essa pessoa estivesse aqui na minha frente. Mando a ele fotos, cópias de documentos e tudo mais quase na mesma hora. Lembro-me que, há cerca de quatro décadas, a comunicação para a minha cidade, a menos de trezentos quilômetros daqui, se fazia através de cartas, que chegavam dois ou três dias, até mais, depois. O mais urgente ia pelo telegrama ou através de bilhete ou recado dado a um amigo na rodoviária, assim mesmo se houvesse ônibus naquele dia. As doenças, muitas delas hoje banais, eram incuráveis. O transporte era lento. E o mais importante: a vida era curta. A expectativa de vida era menor cerca de quinze ou vinte anos em média.
Nos dias de hoje vive-se muito mais, pois se consegue por mais tempo manter a saúde em boas condições. Chegar-se aos oitenta, noventa e até mais de cem anos é comum. Faça um passeio pela sua lembrança e verá inúmeras pessoas nesse patamar. O triste, o melancólico, o incontestável é que, apesar de todas as facilidades que poderiam nos proporcionar uma vida melhor, estamos jogando tudo pelo ralo. É a ganância, a necessidade de se ganhar mais dinheiro para comprar coisas inúteis que chegam a estorvar o nosso dia a dia. É um sofá branco para a sala, que não pode ser usado para não sujar. São os abajures e bibelôs espalhados pela casa cerceando os nossos movimentos e o conforto do lar. É a roupa de grife, pela qual se paga pelo rótulo e que consome a renda do pai de família. E aí o tempo que ganhamos com as comodidades da vida moderna vai sendo gasto em futilidades. E o pior: não temos tempo mais para a vida, para o convívio dos amigos, dos parentes. Foi-se a época em que se dispunham cadeiras nas portas das casas para um prosear com o vizinho, com o passante que parava para um dedo de prosa. As tardes eram mais belas. As amizades mais sólidas. O convívio, uma alegria.
Hoje, a juventude, atrás de seus celulares, se reúne em bares. Mas pouco se fala. A maquininha tem a preferência. Também, quando se quer comunicar, necessário sobrepassar a música estridente, no mais alto grau de som. E o vocabulário dessa gente!... Cada dia mais restrito:
- Cê manjou aquela mina, Mané?
-Só!
Aquela prosa boa do cair da tarde, na farmácia, na barbearia da esquina ou na calçada foi-se para sempre. Saudosismo? Talvez. Acho que o termo melhor seja: pena!
Vivemos hoje muito mais, mas muito menos.