segunda-feira, 18 de setembro de 2017

CONTRAPESO

            Não me ocorre mais o seu nome completo. Era Zé de Tal. Sei que morava lá pra baixo, na beira do rio Guanhães, cerca de duas horas de caminhada da cidade de Sabinópolis.
            Naquela manhã, por volta das dez horas, chegou à venda de Nilo Lapinha para pagar uma continha da semana anterior. Aproveitou e ofereceu ao vendeiro uma abóbora avultada que trazia dentro de um saco de algodão encardido, expondo-a no balcão do comércio. Nilo olhou o legume e o achou exagerada para o consumo de sua família. Viu um volume bem menor dentro do saco e perguntou se aquela abóbora também não estaria à venda.
            - Aqui não é abóbora, não, Seu Nilo. É uma pedra.
            E retirou do saco uma pedra rolada, destas que aparecem nos leitos dos rios.
            Foi inquirido pelo comerciante:
            - Pra que isto, Seu Zé? Tá vendendo pedra agora?
            - É pra firmar  – respondeu, sem maiores explicações.

            Pôs os dois volumes dentro do saco, amarrou bem a boca, jogando a carga sobre o ombro, distribuindo o peso: a abóbora junto ao peito e a pedra sobre as costas. Quebrou a esquina da rua sob o olhar patético de Nilo e seus fregueses. Foi procurar em outras bandas quem lhe aliviasse o peso. 

terça-feira, 12 de setembro de 2017

O ANDARILHO
Por uma dessas estradas da vida parei para abastecer o carro e comer alguma coisa. Vi à sombra de uma árvore, recostado em seu tronco, a figura cansada e rota de um homem de meia idade que fixava o infinito com um olhar triste e mortiço. Aproximei-me dele e puxei conversa:
- Como vai, companheiro, você mora por essas bandas?
Ele fixou-me por um instante o olhar cansado e respondeu-me com um sorriso franco:
- Não, moço. Moro aí pelas estradas.
Ofereci-lhe um lanche que aceitou com certa timidez. Achei que valia a pena continuar a conversa:
- Mas você não tem um destino, um lugar certo a que pretenda chegar?
- Não. Não tenho, não. Isto não é importante. E por acaso o Senhor tem?
Respondi-lhe que me dirigia à minha cidade natal, no interior do Estado. E inquiri-lhe em seguida:
- Você, então, não tem um objetivo na vida. Um amigo confiável... Onde pretende estar amanhã?
- Não sei, moço. Nem eu nem o Senhor. Amigos encontro por aí. Veja aquela curva da estrada ali na frente. Por enquanto pretendo chegar até lá. Depois?... Ah! Depois o caminho que vier. O Senhor pretende chegar até à sua cidade. Se chegar, onde mais pretende ir?
- Ora, ora. Lá fico por uns dias. Volto mês que vem. Mas você não tem um objetivo, um lugar, um porto. Onde estará na próxima semana?
- Procuro sempre o rumo do sol poente. Um dia chego lá.
- Mas você acredita que encontrará o sol?
- Claro que acredito. O Senhor também vai chegar lá. O dia, o ano... Nada importa. Ninguém traça um caminho. Ele se apresenta a cada dia. E por aí vamos sempre caminhando até que cheguemos onde o sol se acoita.
Remoí suas palavras e despedi-me do rapaz. Dei-lhe mais uns trocados que recebeu com certa relutância. Segui minha viagem.
Depois da curva da estrada percebi que o pôr do sol se descortinava num tom avermelhado. E bem à minha frente.

sexta-feira, 8 de setembro de 2017

HISTÓRIAS ANTIGAS DE SABINÓPOLIS

Marcionílio, irmão de Miguel do Carmo, aquele mesmo que tocava baixo na banda, estava aprendendo música com o Prof. João Silvério. Todo entusiasmado, recebera o baixo poucos dias antes (pra quem não sabe, o baixo é aquele instrumento enorme, o maior da banda, que faz a marcação, com sons graves). Pois bem. O Marcionílio havia treinado durante uma semana e já soprava a escala pelos canudos amplos do seu instrumento.
Naquele dia, o Prof. João Silvério estava meio nervoso e ainda por cima vários alunos desafinavam quando intimados a dar as notas requeridas, o que irritava ainda mais o mestre.
Chegou a vez de Marcionílio.
- Dá o ré aí, Marcionílio - determinou o Professor.
Marcionílio encheu o peito e soprou. Nada. Nenhum som se ouviu.
- Dá o ré, Marcionílio - repetiu o Mestre.
Ouviu-se outra vez a voz do silêncio.
- Dá o ré, Marcionílio - repetiu irritado o João Silvério.
Marcionílio inchou o peito, cresceu as bochechas e o som explodiu no salão, aquele mesmo ali debaixo da casa do padre.
Uma bucha de jornal voou longe. Alguém sem que fazer entupira os canos do baixo do moço que só a poder de muito esforço conseguiu se ver livre do empecilho.
Foi um dos grandes músicos de Sabinópolis.
Deve estar tocando lá em cima, juntamente com tantos outros que também já se foram.