terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

APARELHO INÚTIL
Foi numa data já quase perdida na fumaça do tempo.
Mané Cachimbo, analfabeto de sentar nu na poeira e não largar lá um ó, admirava a pose do boticário da cidade, Cristolino da Veiga. Admirava-o, principalmente pela postura fina e pela maneira peculiar de retirar do colete o relógio de bolso, um cebolão dourado, com corrente da mesma cor afixada por um alfinete no bolso da camisa. Aquilo para ele era o êxtase da finura, da classe.
Tanto fez que juntou algumas economias, vendeu umas galinhas de seu terreiro e acabou comprando um relógio de bolso. Um pouco inferior, prateado mas também de corrente a ser alfinetada na camisa. E o seu prazer era, no fim da tarde, passear pela praça central e, de tempo em tempo, retirar a peça do bolso de seu colete e fazer de conta que pesquisava as horas. Coitado! Analfabeto e meio besta, não aprendeu nem mesmo consultar as horas.
Certa tarde estava ele rodeando a praça, naquele passo de prefeito recém eleito a se exibir para os seus eleitores. Nisto chega o Benevides, sujeito da roça, proprietário de um terreninho de meio alqueire. Vivia de criação de galinhas e de algumas hortaliças que varejava cá na vila.
Chegou perto do Mané e indagou do tempo:
- E aí, Mané, como vai? Podia me informar as horas.
O Mané, naquele gesto característico, sacou o cebolão da algibeira, levantou-lhe a tampa brilhosa e exibiu-o ao Benevides:
- Cê né bobo, né? Olha aí.
O Benevides passeou o olhar naquela rodela com ponteiros giratórios, pesquisou em volta as marquises do céu e exclamou:
- Fica bobo aí pro cê ver!
E saiu a passos largos rumo ao seu sitiozinho.
Cada um tomou seu rumo sem saber do horário. Benevides também não conhecia o segredo de como consultar o tempo naquele aparelhinho - inútil para os dois.
(Quem contava este "causo" era o Tio Lauro, o Seu Fulano - Deus o tenha).