domingo, 30 de setembro de 2018


PARAFUSOS

            Conversava com um amigo meu, o Juca, numa esquina, quando passou um conhecido dele. Cumprimentou-o e seguiu caminho. Aguardou-se o afastamento do cidadão e veio dele o comentário:
            - Este é o Calimério. Gente boa, mas tem um ou dois parafusos a menos.
            Encerrou-se a conversa e cada qual tomou seu rumo. Eu, de mim, vim ruminando o parecer do amigo;
            - Parafusos a menos!...  Nossa vida  se resume a parafusos, porcas, roscas e correlatos.
            Veja bem. Na infância, juventude, todos os parafusos funcionam numa pessoa saudável. Depois de certo tempo, os parafusos das juntas se enferrujam e é aquela dificuldade para o seu funcionamento normal. Parece que falta lubrificação, que não há quem remedeia. A cabeça vai perdendo parafusos e deixando desprender a memória que vai se perdendo pelos trilhos da vida. Não se conhece o amigo antigo, o parente próximo, até mesmo uma ex-namorada, tão querida no passado.
            E o pior são os parafusos das saídas, ou quem sabe as arruelas que as protegem, quando falham e não mais obedecem a vontade do dono: são gases expelidos em locais impróprios, às vezes ruidosos. E outras incontinências indesejáveis que obrigam o pobre mortal a desfilar pelas encostas da vida de fraldas geriátricas, incomodando as adjacências. Desnecessário falar dos parafusos que erguem determinado órgão, que também perdem a rosca deixando o seu dono imprestável para as poesias da vida.
            Deus seja louvado! É o prenúncio do fim.

30.09.2018.