sexta-feira, 22 de março de 2019


LÁ EM CASA NÃO

            Capistrano Gondó acordou e viu pelas inúmeras frestas do pardieiro onde vivia que o dia já engatinhava. Levantou-se com alguma dificuldade e a primeira coisa que lhe veio à mente foi uma cachaça para o rebate das inúmeras que havia consumido no dia anterior. Pensamento inútil. Nunca sobrava cachaça em sua casa. A fome uivava no seu estômago. Procurou, meio descrente, alguma coisa para comer. Na lata de farinha, nada. Procurou numa panela sobre o fogão um resquício de feijão. Nada também. Quem sabe, ao menos, um pedacinho de rapadura. Nada. Não havia nada em sua casa. Procurou no pote um gole de água. Também nada. Não o havia abastecido nos dias anteriores. Expeliu um palavrão e decidiu procurar recurso lá pelo centro da vila.
            Desceu o morro a passos incertos. Bebeu na mão umas três conchas d’água da bica que descia o morro. Prosseguiu mais aliviado até a pracinha única em frente à capela do lugar. De lá vislumbrou numa ruazinha adjacente um grupo de pessoas em frente à casa de Tonho da Maricota. Lembrou-se que alguém, lá no buteco do Pelôncio, lhe dissera que ele estava nas últimas. Deslocou-se para lá.
            A sala miúda abrigava um caixão roxo com quatro velas ao redor. Ao lado a Maricota se descabelava e clamava cercada pelos demais familiares do defunto:
            - Por que que cê foi morrer, Tonho? Ai, que eu não aguento esta tristeza! Vai pra onde agora, Tonho?!  Vão te deixar lá no alto, Tonho. Cê não vai mais poder comer a rapadura com farinha que cê tanto gostava! Não vai comer seu feijãozinho com torresmo de cada dia. Nem água cê vai beber! Ah! Que tristeza! Ficar naquele lugar feio, sozinho!...
            Gondó escutou as lamentações e foi saindo de fininho. Pensou lá, consigo mesmo.
            - Vou embora daqui. Pelo que eu tô vendo, eles vão querer levar esse defunto lá pra casa.
            E perdeu-se numa esquina para procurar alguém que lhe pagasse uma cachaça.