LÁ EM CASA NÃO
Capistrano
Gondó acordou e viu pelas inúmeras frestas do pardieiro onde vivia que o dia já
engatinhava. Levantou-se com alguma dificuldade e a primeira coisa que lhe veio
à mente foi uma cachaça para o rebate das inúmeras que havia consumido no dia
anterior. Pensamento inútil. Nunca sobrava cachaça em sua casa. A fome uivava
no seu estômago. Procurou, meio descrente, alguma coisa para comer. Na lata de
farinha, nada. Procurou numa panela sobre o fogão um resquício de feijão. Nada
também. Quem sabe, ao menos, um pedacinho de rapadura. Nada. Não havia nada em
sua casa. Procurou no pote um gole de água. Também nada. Não o havia abastecido
nos dias anteriores. Expeliu um palavrão e decidiu procurar recurso lá pelo
centro da vila.
Desceu o
morro a passos incertos. Bebeu na mão umas três conchas d’água da bica que
descia o morro. Prosseguiu mais aliviado até a pracinha única em frente à
capela do lugar. De lá vislumbrou numa ruazinha adjacente um grupo de pessoas
em frente à casa de Tonho da Maricota. Lembrou-se que alguém, lá no buteco do
Pelôncio, lhe dissera que ele estava nas últimas. Deslocou-se para lá.
A sala miúda
abrigava um caixão roxo com quatro velas ao redor. Ao lado a Maricota se
descabelava e clamava cercada pelos demais familiares do defunto:
- Por que
que cê foi morrer, Tonho? Ai, que eu não aguento esta tristeza! Vai pra onde
agora, Tonho?! Vão te deixar lá no alto,
Tonho. Cê não vai mais poder comer a rapadura com farinha que cê tanto gostava!
Não vai comer seu feijãozinho com torresmo de cada dia. Nem água cê vai beber!
Ah! Que tristeza! Ficar naquele lugar feio, sozinho!...
Gondó
escutou as lamentações e foi saindo de fininho. Pensou lá, consigo mesmo.
- Vou embora
daqui. Pelo que eu tô vendo, eles vão querer levar esse defunto lá pra casa.
E perdeu-se
numa esquina para procurar alguém que lhe pagasse uma cachaça.