quarta-feira, 11 de novembro de 2015

O TROMBONE DE VARA
           
            Floristênio Lustosa era o único trombonista da Vila das Copaíbas. Manejava o seu instrumento com muita competência e sensibilidade, razão de ser admirado pelo povo do lugar. Músicos renomados que tiveram o prazer de ouvir as execuções do Lustosa não se cansavam de enaltecer o refinado de seu sopro e a qualidade de seu instrumento, um trombone de vara.  Convém lembrar que o trombone de vara é um instrumento de sopro cujas notas são tiradas a partir de um alongamento ou encurtamento de seus tubos, movimentados pelo executor. Um mês antes da quermesse, o músico andava meio aborrecido depois de perceber um pequeno orifício numa das curvas do instrumento, consequência de um leve amassado cujo rebordo acabou por vazar o cano em consequência de atritos. Procurou o Serafim Caconde, especialista em soldas e remendos no lugar. Era também um exímio artesão, especialista em lamparinas, lampiões e correlatos. Deixou lá o seu precioso instrumento com a sensação de alívio em entregá-lo em mãos competentes:
            - Capricha aí, Seu Caconde. Este bichinho vale ouro!
            - Deixa comigo, Seu Lustosa. Amanhã o Sr. não vai saber onde foi o furo.
            No dia combinado, volta o Floristênio para pegar o seu valioso instrumento. É recebido até com certo entusiasmo pelo Serafim:
            - Olha aí! Ninguém vai ver onde era o furo. E também, como cortesia da casa, soldei aquele cano que andava frouxo, correndo pra lá e pra cá. Agora está firme. Duvido que solte outra vez.

            Não se apresentaram, ao músico, quaisquer palavras capazes de extravasar o que lhe passava pelo peito.  
ADEUS BENTO RODRIGUES





            E a lama veio. Levou as casas daquele povo simples. Levou a escola do lugar. A igrejinha, a praça ampla e verde. Levou os sonhos daquela gente de viver e morrer na terrinha natal, tranquila e bela. Levou o distrito de Bento Rodrigues, com suas lembranças, seu passado longo, sua paz. Levou crianças, jovens, pais de família, animais domésticos. Tudo. O sol e a lua nunca mais brilharão sobre o povoado. Soterrou o que tinha de belo na natureza do lugar. A paz daquele povo, irrecuperável. Levou a história daquela gente simples. Mas não ficou aí. Seguiu levando abaixo outras comunidades, outras culturas. Afetando riachos, violentando a natureza. E aí chegou ao Rio Doce. Doce rio que, como bom mineiro, procura o mar. E lá se foi o remanso de suas curvas onde os animais, pobres inocentes, mitigavam a sua sede. O pouso das aves aquáticas já não é mais possível. Os peixes que por lá ainda tinham um refúgio no frescor de suas águas jazem estirados à margem, irremediavelmente aniquilados. E o monstro segue em direção ao mar. Lá, talvez, encontre resistência e será vencido. Mas ainda assim deixará marcas indeléveis.
            E vem o depois. O esquecimento de nós mortais. O distrito será apagado do mapa. Os fantasmas do lugarejo pairarão sobre a crosta seca do que foi o lamaçal. Os parentes e amigos chorarão seus mortos. A degradação ambiental será suportada por aqueles que vivem nas imediações do sinistro. A conta sobrará para todos nós. Os responsáveis pela tragédia tocarão suas vidas no mesmo compasso de antes, em suas mansões, com seus carrões importados. Estourarão champanhes finíssimas no Natal que se avizinha.

            Aqui é assim.