sábado, 20 de agosto de 2016

ELEIÇÕES

            As eleições vêm aí. Deus nos acuda! Já se pode ver em Sabinópolis o movimento dos candidatos a vereadores. Estes são os piores. Os candidatos a prefeito são mais discretos e também são poucos. Já os vereadores, Deus me livre deles. Chegam onde nunca estiveram antes, cada um com uma carreira de dentes arreganhada, estendendo a mão cheia de dedos até para os cachorros que se encontram no lugar. Gente que nunca nos cumprimentou ou, no máximo, faziam um aceno de cabeça, cara fechada, hoje são amigos do peito, companheiros de longa data. Será que esses imbecis acham que alguém vai nessa conversa de amizade oportunista.
            Nada contra se pedir um voto ou apoio para a candidatura. Mas, salvo melhor juízo, entendo que o cidadão pretendente a ocupar o cargo público deveria restringir seu pedido às pessoas de sua convivência. Eu nunca votaria em pessoas que mal conheço. Eu, de mim, aceitaria de bom grado um pedido de voto  formulado em termos mais ou menos assim:
            - Olha, fulano, sou candidato a vereador e, se você não tiver ainda assumido compromisso com outro, lembre-se de mim com o seu voto e o seu apoio.
 Caberia também, em poucas palavras, as ideias que pretende implantar no seu mandato. Nada mais.
Por outro lado, os “serrotes” já estão se preparando para os comes e bebes de que certamente se servirão à farta nesse período que antecede as eleições. Quanto a mim, dispenso os dentões arreganhados e os apertos de mão, transmissores de gripe e outras mazelas. Dispenso também a boca livre.

            Que Deus nos socorra! 

quarta-feira, 17 de agosto de 2016

A CAIXA DOURADA

            Talamides Porfírio, viúvo ainda jovem, sem filhos,  acalentava uma ideia um tanto quanto estranha. Pensava sempre que seria interessante conhecer o dia exato que partiria deste para o outro mundo. Embora contestado pelos amigos, manifestava sempre o interesse de antever o dia de sua morte. Seus amigos se opunham:
            - Conversa mais besta, Talamides!  Vou lá eu querer saber quando vou bater as botas? Que venha o dia, mas sem aviso prévio.
            Numa noite mais fria, o Talamides sonhou que Deus, em aparência de um Senhor de idade, barba branca, voz poderosa, lhe apareceu, concedendo-lhe um único desejo, à sua escolha. Sem pestanejar, o Porfírio, respeitosamente, não pediu riquezas ou coisas mundanas. Queria que o Senhor lhe concedesse o privilégio de saber, desde já, a data exata de sua partida. Deus, em sua infinita bondade, asseverou que o pedido poderia ser concedido, mas não o achava conveniente.  Ponderou que não seria bom e que, se deferido, a tranquilidade do Talamides iria se acabar. Ainda assim, insistiu no pedido.  Deus, então,  com um certo ar de contrariedade, passou-lhe às mãos uma caixinha dourada e recomendou:
            - Está aí, meu filho, dentro deste invólucro, o que você quer. Mas... pense bem. Abra a caixa quando achar que está pronto para conhecer a data da sentença final.
            E desvaneceu-se no ar desaparecendo por completo.
            Manhã seguinte, o Talamides, ainda impressionado com o sonho, vê na mesa da sala uma caixa tal e qual à que recebera do Senhor. Tremeu dos pés à cabeça. Recolheu o objeto e fechou-se com ele no silêncio de seu quarto. Mas cadê coragem para abrir a caixinha dourada.  E se a sua morte estivesse próxima? E se tivesse ainda uma longa sobrevida? Lembrou-se das ponderações do Senhor e chegou a arrepender-se de pedido feito. Mas... agora o malfeito estava feito. Abrir ou não abrir a caixa?
            Dias se sobrepuseram e a dúvida e a angústia do Talamides se agravavam. Perdia noites de sono... quase não se alimentava. Sua irmã, a Flosina, comentava com os demais parentes a derrocada do irmão. Dia a dia ia definhando. Pela manhã, pela tarde e sempre às vésperas de tentar se recolher para o sono que quase não vinha, manuseava o nosso personagem aquela caixinha dourada, sem nunca decidir pela sua abertura. E o seu organismo, já depauperado, requereu leito de doente e, em seguida, vaga em hospital onde acabou se indo numa noite comum de tempo morno.
            A Flosina, acompanhada do marido e de uma prima, foi providenciar nas gavetas do defunto as roupas para o seu sepultamento. Encontrou lá, num cantinho entre as camisas e meias, a caixinha dourada. Admirada, questionou ao marido:
            - Olha, Manuel, aquela embalagem da corrente de ouro que você me deu nas nossas bodas de prata. Devo tê-la deixado aqui quando vim mostrar o presente para meu irmão. Pra que será que ele guardava isto aqui há mais de um ano?
            Nunca souberam... e nem nunca saberão.

            A não ser que você conte.