quarta-feira, 17 de agosto de 2016

A CAIXA DOURADA

            Talamides Porfírio, viúvo ainda jovem, sem filhos,  acalentava uma ideia um tanto quanto estranha. Pensava sempre que seria interessante conhecer o dia exato que partiria deste para o outro mundo. Embora contestado pelos amigos, manifestava sempre o interesse de antever o dia de sua morte. Seus amigos se opunham:
            - Conversa mais besta, Talamides!  Vou lá eu querer saber quando vou bater as botas? Que venha o dia, mas sem aviso prévio.
            Numa noite mais fria, o Talamides sonhou que Deus, em aparência de um Senhor de idade, barba branca, voz poderosa, lhe apareceu, concedendo-lhe um único desejo, à sua escolha. Sem pestanejar, o Porfírio, respeitosamente, não pediu riquezas ou coisas mundanas. Queria que o Senhor lhe concedesse o privilégio de saber, desde já, a data exata de sua partida. Deus, em sua infinita bondade, asseverou que o pedido poderia ser concedido, mas não o achava conveniente.  Ponderou que não seria bom e que, se deferido, a tranquilidade do Talamides iria se acabar. Ainda assim, insistiu no pedido.  Deus, então,  com um certo ar de contrariedade, passou-lhe às mãos uma caixinha dourada e recomendou:
            - Está aí, meu filho, dentro deste invólucro, o que você quer. Mas... pense bem. Abra a caixa quando achar que está pronto para conhecer a data da sentença final.
            E desvaneceu-se no ar desaparecendo por completo.
            Manhã seguinte, o Talamides, ainda impressionado com o sonho, vê na mesa da sala uma caixa tal e qual à que recebera do Senhor. Tremeu dos pés à cabeça. Recolheu o objeto e fechou-se com ele no silêncio de seu quarto. Mas cadê coragem para abrir a caixinha dourada.  E se a sua morte estivesse próxima? E se tivesse ainda uma longa sobrevida? Lembrou-se das ponderações do Senhor e chegou a arrepender-se de pedido feito. Mas... agora o malfeito estava feito. Abrir ou não abrir a caixa?
            Dias se sobrepuseram e a dúvida e a angústia do Talamides se agravavam. Perdia noites de sono... quase não se alimentava. Sua irmã, a Flosina, comentava com os demais parentes a derrocada do irmão. Dia a dia ia definhando. Pela manhã, pela tarde e sempre às vésperas de tentar se recolher para o sono que quase não vinha, manuseava o nosso personagem aquela caixinha dourada, sem nunca decidir pela sua abertura. E o seu organismo, já depauperado, requereu leito de doente e, em seguida, vaga em hospital onde acabou se indo numa noite comum de tempo morno.
            A Flosina, acompanhada do marido e de uma prima, foi providenciar nas gavetas do defunto as roupas para o seu sepultamento. Encontrou lá, num cantinho entre as camisas e meias, a caixinha dourada. Admirada, questionou ao marido:
            - Olha, Manuel, aquela embalagem da corrente de ouro que você me deu nas nossas bodas de prata. Devo tê-la deixado aqui quando vim mostrar o presente para meu irmão. Pra que será que ele guardava isto aqui há mais de um ano?
            Nunca souberam... e nem nunca saberão.

            A não ser que você conte.

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