A CAIXA DOURADA
Talamides
Porfírio, viúvo ainda jovem, sem filhos, acalentava uma ideia um tanto quanto estranha.
Pensava sempre que seria interessante conhecer o dia exato que partiria deste
para o outro mundo. Embora contestado pelos amigos, manifestava sempre o
interesse de antever o dia de sua morte. Seus amigos se opunham:
- Conversa
mais besta, Talamides! Vou lá eu querer
saber quando vou bater as botas? Que venha o dia, mas sem aviso prévio.
Numa noite
mais fria, o Talamides sonhou que Deus, em aparência de um Senhor de idade,
barba branca, voz poderosa, lhe apareceu, concedendo-lhe um único desejo, à sua
escolha. Sem pestanejar, o Porfírio, respeitosamente, não pediu riquezas ou
coisas mundanas. Queria que o Senhor lhe concedesse o privilégio de saber,
desde já, a data exata de sua partida. Deus, em sua infinita bondade, asseverou
que o pedido poderia ser concedido, mas não o achava conveniente. Ponderou que não seria bom e que, se deferido,
a tranquilidade do Talamides iria se acabar. Ainda assim, insistiu no pedido. Deus, então, com um certo ar de contrariedade, passou-lhe
às mãos uma caixinha dourada e recomendou:
- Está aí,
meu filho, dentro deste invólucro, o que você quer. Mas... pense bem. Abra a
caixa quando achar que está pronto para conhecer a data da sentença final.
E
desvaneceu-se no ar desaparecendo por completo.
Manhã
seguinte, o Talamides, ainda impressionado com o sonho, vê na mesa da sala uma
caixa tal e qual à que recebera do Senhor. Tremeu dos pés à cabeça. Recolheu o
objeto e fechou-se com ele no silêncio de seu quarto. Mas cadê coragem para
abrir a caixinha dourada. E se a sua
morte estivesse próxima? E se tivesse ainda uma longa sobrevida? Lembrou-se das
ponderações do Senhor e chegou a arrepender-se de pedido feito. Mas... agora o
malfeito estava feito. Abrir ou não abrir a caixa?
Dias se
sobrepuseram e a dúvida e a angústia do Talamides se agravavam. Perdia noites
de sono... quase não se alimentava. Sua irmã, a Flosina, comentava com os
demais parentes a derrocada do irmão. Dia a dia ia definhando. Pela manhã, pela
tarde e sempre às vésperas de tentar se recolher para o sono que quase não
vinha, manuseava o nosso personagem aquela caixinha dourada, sem nunca decidir
pela sua abertura. E o seu organismo, já depauperado, requereu leito de doente
e, em seguida, vaga em hospital onde acabou se indo numa noite comum de tempo
morno.
A Flosina,
acompanhada do marido e de uma prima, foi providenciar nas gavetas do defunto
as roupas para o seu sepultamento. Encontrou lá, num cantinho entre as camisas
e meias, a caixinha dourada. Admirada, questionou ao marido:
- Olha,
Manuel, aquela embalagem da corrente de ouro que você me deu nas nossas bodas
de prata. Devo tê-la deixado aqui quando vim mostrar o presente para meu irmão.
Pra que será que ele guardava isto aqui há mais de um ano?
Nunca
souberam... e nem nunca saberão.
A não ser
que você conte.
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