segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019


BURACO FUNDO

            Orozimbo Cascadura trabalhava em serviços gerais. Fazia qualquer coisa que não dependesse de uma inteligência mais apurada. Andava sempre com uma foicinha sobre o ombro para recolher alguma lenha fina por onde passava para preparar seu guisado no rancho em que residia.
Naquele dia já encoberto pela fumaça do tempo fora chamado à propriedade rural de Zé Palangana para um serviço até de porte avultado: Um rego d’água arrombara-se nas proximidades de um barranco e as águas fizeram uma loca no lugar escorregando-se pela perambeira, brotando alguns metros mais abaixo,  desabastecendo a propriedade.  
            O trato para o serviço estabeleceu-se através de uma empreitada.
            - Pois muito bem, Seu Cascadura, então está combinado. O Sr. volta a água para o lugar antigo por quinhentos mil réis. Pago a metade no meio da obra e o resto no final.
            Dia seguinte cedo mãos à obra. O Orozimbo providenciou uma estiva de paus roliços e fechou a fresta lateral por onde desceu a terra e corria a água rumo ao ribeirão que serpenteava mais embaixo. O passo seguinte era encher de terra aquele vão, socando bem cada camada, e depois liberar a água que fora desviada para a feitura da obra. O vão era avultado e o Cascadura manejando uma carretinha de madeira cavava nas proximidades e despejava ali o enchimento. E o dia inteiro aquele inheco inheco da carretinha reclamando alguma lubrificação no único eixo.
            Preenchida a cratera veio o Palangana inspecionar a obra. Parecia tudo perfeito. Abriu-se o sulco para reeditar a sequência do rego d’água e fechou-se o desvio. A água correu mansa e inaugurou a nova passagem. O Orozimbo chegou a liberar um sorriso na platibanda da cara já carcomida pelos anos.
            Questão de minutos. Uns pequenos redemoinhos foram se formando no leito cavado e aos poucos a água foi se infiltrando na terra verde e em pouco tempo se acoitou nas frestas até levar tudo morro abaixo, restando apenas alguns paus recalcitrantes na estiva do Cascadura.
            Novas tentativas se deram seguidas de novos fracassos. Certo é que a obra só se ajeitou quando o Palangana mandou fazer uma bica enorme de madeira que sobrepassou o vão, resolvendo o problema por definitivo.
            O Cascadura que trabalhou muito e não viu seu esforço retribuído a contento, era sempre objeto de zombaria dos amigos e outros não tantos. Quando bebia umas cachaças, o que era frequente, exclamava aos quatro cantos:
            -Quem falar comigo no buraco de Zé Palangana eu corto na foicinha.
            E brandia a ferramenta em gesto ameaçador.