sexta-feira, 21 de agosto de 2020

 

PARA NÃO PERDER A VIAGEM

 

Manelim Mocó grassava na Vila do Querosene e era pretendido por quase todas as mocinhas solteiras do lugar. Filho de fazendeiro abastado, o Ceniro Botas, era garantia para uma vida tranquila de qualquer que fosse a sua futura companheira. Bonito não era, mas também não assombrava tanto quem dele se aproximasse.

            Balduíno Sopapo era proprietário de uma nesga de terra confrontante com a fazenda do Botas e via com bons olhos a possibilidade de união entre o Mocó e Ricardina, sua única filha, diga-se de passagem, bonita. Com vista a viabilizar a aproximação dos dois, convidou o rapaz para um almoço de domingo, regado a cachaça, com direito a uma panelada de pé de porco, no qual o Sopapo era especialista. O rapaz aceitou o convite de bom grado e, no dia marcado, aportou-se na propriedade do sitiante empesteado de perfume  e de roupa domingueira. O Sopapo ultimava o pé de porco no fogão a lenha numa coberta lá nos fundos da casa  e encarregou a companheira, a Manuela, juntamente com a Ricardina a fazerem sala ao convidado. A moça, que não simpatizava com o rapaz, andava de olho no Zenóbio, um padeiro lá da Vila. Ficou por ali por uns instantes e, com uma desculpa qualquer,  foi para seu quarto cuidar de uns bordados numa blusa que seria usada na festa do padroeiro.

            A Manuela, tão logo ficou sozinha com o rapaz, despejou sobre ele um olhar safadoso que foi correspondido com uma mão sobre os ombros da mulher, seguido de um encontro de beiços que pararam por aí porque o Sopapo penetrara na sala desavisadamente, flagrando o colóquio amoroso. Mocó saltou pela janela e suverteu na curva da estrada. A Manuela, sem outro meio de defesa, justificou:

            - A Ricardina foi lá pra dentro e eu deixei que acontecesse isto para o Mocó não perder a viagem.

            Ele perdeu, mas a Manuela viajou para o além, movida a uma cacetada de um pau de lenha na platibanda da fuça.

            Com passagem só de ida.

21.08.2020