sexta-feira, 13 de novembro de 2020

 

ESTRATÉGIA POLÍTICA

 

            Manezinho Pangola salpicava a sua figura pelas ruas de sua cidade natal, a pequena Abobreiras. Era conhecido por todos, até porque lá todo mundo conhecia todo mundo. Tinha seus particulares. Devia a dois na praça: a Deus e ao resto do mundo. Pagava de vez em quando um, fazia mais dois ou três débitos e ia levando a vida.

            Vieram as eleições. Pensou, matutou e resolveu candidatar-se a vereador. Do pensamento à ação. Achou um partido pelo qual se inscreveu e partiu para a campanha. Ninguém acreditava que teria votos suficientes. Ele mesmo, em análise fria, contou cerca de oito. Apenas. Um da mãe, dois dos seus dois irmãos, um tio que o estimava, um compadre  (duvidoso),  mais dois amigos e o seu próprio voto.

            Vieram as eleições e em seguida a apuração. Foi o mais votado, deixando pasma a comunidade da cidadezinha. Justificou o surpreendente sufrágio:

            - Prometi a todos os meus credores que, se eleito, com o reforço do subsídio do cargo, pagaria todas as minhas contas.

            Se cumpriu a promessa não sei. Pergunte a ele ou ao comércio em geral de Abobreiras.

            Nota do autor: Comunico que não cobrarei direitos autorais a quem quiser aplicar a mesma estratégia.

12.11.2020.

 

A LISTA

 

            Geroliso Condé morava numa cidadezinha lá pras bandas do Rio Fumaça. Morro das Cabaças era um comercinho próspero e até certo ponto agitado.

            O Condé vivia de uma aposentadoria pouca, mas suficiente para sua vidinha sem grandes pretensões.  Morava num ponto estratégico da cidade, sozinho e conhecia a vida de quase todos do lugar. Dormia pouco e, de sua varanda, rondava com o olhar a praça principal e, muitas vezes dava um giro pelas imediações já noite alta ou madrugada.

            Naquele dia, sentou-se ao lado de Manezinho Cabeção e relatou-lhe o que andava aprontando:

            - Olha, Cabeção. Sei de quase tudo que passa de errado aqui neste lugar. Conheço as pessoas casadas e outras não que andam com mulheres ou maridos de gente daqui.  Gente que você nem imagina. Tudo por debaixo do pano.

            E revelou o seu intento:

            - Estou descrevendo tudo num relatório que já está quase pronto e vou vendê-lo para os interessados.

            - Tá doido, homem! Isto é muito sério! Vai dar morte, inclusive você mesmo corre o risco!

            - Calma, Cabeção. Deixa que eu explique. Estou fazendo  um relato, a princípio, sem citar nome de ninguém.  Cada pessoa será conhecida por uma letra ou um número. Posteriormente eu vendo caro a listagem que identificará cada um. Anoto o nome dos interessados, recebo o pagamento adiantado e distribuo a folha encrencosa. De posse dessa grana, pretendo dar um giro lá pela capital e espero a coisa esfriar.

            Assim como pensou, fez. Distribuiu os relatos de graça e agendou dia, local e hora para vender a listagem reveladora dos nomes.

            Hora marcada, chegou. Muita gente esperava. A curiosidade era enorme.  

            Aproximou-se e explicou o seguinte:

            - Olha, pessoal. Sinto informá-los que, por motivo de força maior, não vou disponibilizar mais a tal listagem.  Embora ameaçado pelos protagonistas dos casos narrados, ia vender a listagem assim mesmo.  Mas eles pagaram muito mais para que eu a consumisse.

            E numa falha crassa de memória, disparou:

            - A mulher do delegado me deu uma fortuna para incinerar os papéis. Sem falar nos demais que me pagaram muito bem.

            Recobrou a consciência e escafedeu-se pela rua estreita.  Transcorridos mais de dois anos, até hoje ninguém dá notícia de Geroliso Condé.

10.11.2020