ALMA PENADA
A data? Não sei ao certo. Eram
aqueles anos antigos, talvez princípio do Século passado. Precisar não
interessa. Mané Prego era noivo da Bertonilda. Até aí nada errado. Só que ela
morava logo atrás do cemitério da Vila de São Clemente. E era para lá que ele
se dirigia toda noite para se desincumbir de suas funções de noivo apaixonado.
Retornava antes das vinte e duas horas e ia se encontrar com os companheiros no
boteco do Zé Bode para tomar umas e outras antes de recolher-se para o descanso
do dia. A turma, os mesmos três – Praxedes, Muriçoca e Caixa d’Água - o
esperavam para um bate papo e uns goles. Admiravam o Prego por ele não ter
receio de passar pelas imediações do cemitério, sem qualquer iluminação e
àquelas horas. O Mané se ria e zombava do temor dos colegas:
- Medo de
quê? Defunto não ofende ninguém. Alma, se é que há, já subiu ou desceu. Não vai
ficar aqui amolando os outros.
Uma noite,
antes da chegada do Prego, os três companheiros combinaram passar-lhe um susto.
Na noite seguinte, esperariam o companheiro numas moitas que circundavam o
campo santo e, vestidos de lençóis branco, haveriam de pô-lo a correr. Queriam
ver se ele era mesmo o valente que demonstrava ser.
Se assim
pensaram, assim executaram a ideia. Por volta das nove horas lá estavam eles,
agachados sob os arbustos aguardando a hora de chegada da vítima. Foi aí que o
Caixa d’Água, virando-se para trás, observou:
- Quantos
nós somos mesmo? Três ou quatro?
- Três, respondeu o Muriçoca. Você,
Praxedes e eu.
- Então conta aí! Um, dois, três,
quatro.
E a carreira desembestada da turma,
morro abaixo, aos trambolhões pela vegetação rasteira. Chegaram apavorados ao
boteco do Zé Bode, já despidos da roupagem assombradeira. E, mais atrás, o Mané
Prego, em pessoa, que ouvira a combinação dos companheiros na noite anterior e
se misturara no meio, também envolto num lençol branco, para ver o desfecho da encrenca aprontada
pelos seus amigos.

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