DESAFORO NÃO
Início da
década de sessenta. Ali, na Rua de Baixo, no exato ponto onde foi a loja de
Hugo Magalhães, Pedrinho e Benedito Braga exploravam um bar.
Numa tarde
morna, um paradeiro próprio da época. Eu e Daniel (da família de Custódio)
mais conhecido como Daniel dos Ovos (não sei a origem do apelido) éramos os
únicos presentes, além de Benedito, o proprietário do lugar. Chega um
forasteiro, coisa rara naquela época, provavelmente um vendedor, e envereda
conversa com o dono do estabelecimento. O Daniel, já bêbado, como de seu
costume, enfia a colher de pau na conversa o que irrita o tal vendedor.
Deseducadamente, repele a interferência, repreendendo o cachaceiro:
- Sai pra lá, sujeito! Vai encher o
saco de outro!
E o Daniel,
subserviente e desculpativo:
- Desculpa,
moço, eu não queria te aborrecer.
- Mas já aborreceu! Sai pra lá e me deixa em paz!
O Daniel
recolhe-se a um canto e não diz mais nada. O viajante termina a conversa com o
Benedito e sai, não sem antes despejar um olhar carrancudo sobre a humildade do
bêbado. Após alguns segundos o Daniel chega à porta do bar e, depois de
certificar-se que o viajante já quebrara a esquina do Bar de Homero, com as
feições enfezadas, expele a sua revolta:
- Vai a merda, sujeito! Volta cá
pro’cê ver!
Empinou a
carcaça do peito assumindo um ar de dignidade dos nobres. Acendeu um cigarro e
expeliu a fumaça para o alto.