segunda-feira, 12 de setembro de 2016

PROBLEMA RESOLVIDO

            Cândido Pacífico era uma alma incapaz de fazer mal a uma formiga. Era, como dizia sua avó, naqueles idos tempos, o espelho de seu próprio nome. Eis que um dia, em Serra do Vai Quem Pode, cidadezinha onde morava, bebeu uma a mais na festa da padroeira e deixou escapar a um grupo de amigos algumas verdades desabonadoras sobre Miguel Suvanca, um caloteiro  metido a valente que havia no lugar. A conversa ganhou raiz e chegou até ao Suvanca que prometeu fazer o Pacífico engolir o que havia dito a poder de tapas e safanões. Começou aí o desassossego do pobre homem. Já não saia de casa e, quando o fazia, por estrita necessidade, olhava pelas quinze bandas para ver se evitava o desfecho de sua inconsequência verbal. Os dias rolavam e o Pacífico nem dormia direito já imaginando o encontro que, mais cedo ou mais tarde, certamente haveria de acontecer. Reagir, nem pensar. O Suvanca era enorme e inconsequente. Além do mais, gostava de se gabar de sua valentia. A mulher, vendo a situação crítica do marido, chegou a aconselhar:
            - Compra uma arma, homem, e resolve essa situação de uma vez por todas!
            Qual, o quê. O Cândido não tinha essa índole violenta e muito menos coragem para cometer um assassinato.
            Num final de manhã, depois de vasculhar toda a área e achá-la desinfetada do inimigo, o Pacífico foi buscar umas precisões na venda do Pata Choca. Retornou em menos de meia hora e, da porta de entrada, foi anunciando à sua mulher que limpava uns pés de porco na cozinha:
            - Olha,  Clementina, está resolvida a questão com o Suvanca. Agora posso dormir em paz! Enfim, sossego!
            - ‘Cê matou o homem, Pacífico?! O quê que aconteceu?
            - Matei, nada, mulher. Mas já apanhei.
            E foi procurar um espelho para, em companhia da Clementina, distribuir uma água morna com sal no par de beiços exageradamente crescidos pelas pancadas e reparar as demais avarias da fachada.

            Enfim, sossego!

terça-feira, 6 de setembro de 2016

O HELICÓPTERO DE VICENTE

            Vicente e Lauro entornavam copos e mais copos no Bar de Humberto. Já bastante aperitivados, a conversa de ambos se enveredava para qualquer assunto. Vicente, então, era o que mais diversificava na prosa, naquele lero-lero que lhe era peculiar. Naquela tarde deu para descrever um helicóptero que, segundo ele, havia comprado para transportá-lo do bar para casa e vice-versa. Na sua conversa de encachaçado chamava o aparelho voador de horoscopo. Sua prosa era mais ou menos assim:
            - Olha, Lauro, comprei um horoscopo novo e se você quiser posso te entregar em casa todo fim do dia. O aparelho vai chegar na semana que vem. O Baiano é que vai pilotar o treco.
            E Lauro enfadado com a conversa mole:
            - Ih, Vicente! Conversa mais chata! Vai amolar o boi!
            Vicente insistia:
            - Desse jeito eu não vou carregar você no meu horoscopo. O Baiano já está em São Paulo e vai trazer o bichinho na segunda-feira. Quero que você dê palpite na cor que eu deva pintá-lo. Pensei em azul, mas acho que vai misturar com a cor do céu. Quem sabe vermelho... ou amarelo...
            Humberto, a princípio, se divertia com a pataquada dos dois. Depois começou a cansar de ouvir a mesma lengalenga. Lauro continuava esbravejando:
            - Cala a boca, Vicente! Vai ser chato assim lá no Togó!
            Vicente insistia:
            - Qual a cor que você acha melhor para o meu horoscopo, Lauro? Você ainda não deu sua opinião... Vou levar também Pio de João de Olavo para abrir as porteiras.
            E cachaça desce e a prosa repetitiva continuava. Humberto estava ainda mais enfadado com a conversa mole. Por fim Lauro convenceu o Vicente a ir embora que, na porta do bar, ainda falava sobre o horoscopo enquanto o companheiro procurava pagar a última cachaça que havia bebido. Humberto, prestes a se ver livre da dupla, dispensou o pagamento:
            - Pode ir, Lauro, nem vou cobrar esta última pinga. É presente por você me livrar desta prosa chata de Vicente.
            E Lauro, oportunista:
            - Então me dá aí a saideira.
            - Mas esta você vai pagar, Lauro. Não vou cobrar aquela que você já bebeu.
            E serviu a dose para o freguês.
             Lauro virou-se para a porta onde estava o Vicente e requereu:
            - Volta cá, Vicente, e vamos escolher a cor de seu horoscopo.
            E Humberto, com aquele sorriso que sempre carregava, foi dispensando os dois:
            - Não, Lauro, pode ir. Não vou cobrar, não! Pode ir! Pode ir! Chega de horoscopo.
            E os dois, no fim da tarde morna, saíram ziguezagueando pela rua estreita.


quinta-feira, 1 de setembro de 2016

IRRIGANDO A HORTA

            Dona Catarina (nome fictício), olhava umas lâmpadas que pretendia comprar numa loja elétrica e hidráulica lá em Sabinópolis. Chega um cliente pretendendo adquirir um aspersor, aquela coisa que esparrama água nos jardins e hortas. Trata-se de um equipamento simples conhecido pela Física como torniquete hidráulico. Cuida o mecanismo de uma haste de metal que se finca no chão ligado a um tubo que termina em outro em forma de “T” que, pela pressão da água de uma mangueira, gira em alta velocidade, molhando as adjacências numa área circular.
            Pois bem. A Dona Catarina quando viu o interesse do cliente pelo tal equipamento, comentou com outros vendedores e demais presentes na loja:
            - Ih! Esta coisa não vale nada! Eu tenho um lá em casa e toda vez que o uso me molho toda.

            É que a velha senhora segurava a haste em posição vertical, em ares de uma sombrinha,  deixando que o rodízio de água se colocasse sobre a sua cabeça.