quinta-feira, 17 de janeiro de 2019


O OLHAR SEDUTOR
Da série Encontros Casuais

            Seria metade da manhã. De repente, ao longo da Av. Brasil, deparo-me com uma figura que vinha ao meu encontro. Estaco-me à sua frente e só aí ela me nota.
            - Parece que eu te conheço! Ou é engano meu?
            - Acho que me conhece sim. Eu, pelo menos, sei quem você é. Não é aquela que trabalhava lá na Cia. Telefônica, a Percilda?
            - Sou eu mesma. E você trabalhava lá no Banco, não é? É o Arnon.
            Nos abraçamos formalmente entre as conversas próprias de ocasiões semelhantes.
            - Você continua a mesma, Percilda. Bonita, elegante como sempre foi.
            Ela empinou a carcaça já subjugada pelo tempo e sorriu largo.
            - Nada, amigo! Já não sou o que era! – E despencou sobre mim um olhar sedutor que nos tempos passados eu aguardei e nunca veio.
            Lembro-me que ela era namoradeira, mas sempre me esnobava, preferindo outros. Reconheço que nunca fui lá um Alain Delon, mas tampouco os outros com quem ela saia. Diversificadamente.
            Teci-lhe alguns elogios, falsos como o beijo de Judas.
            - Você continua a mesma, menina! (Olha a ironia). Elegante e linda como sempre foi. Uma verdadeira uva! (Pensei comigo: uva passa).
            Ela sorriu com verdadeira satisfação e ainda com um olhar mais sedutor, prontificou-se a me deixar seus contatos:
            - Anote aí meu telefone e me liga. Vamos nos encontrar para lembrar os velhos tempos.
            Procurei nos bolsos e anotei no único papel de que dispunha o número por ela fornecido.
            Despedimo-nos com a promessa de um breve encontro. Dobrei a primeira esquina e verifiquei que anotara o número, por acaso, num desses cartões de agradecimento distribuídos em porta de igreja após missa de sétimo dia. Lancei o papel embolado no primeiro latão de lixo à minha frente e resmunguei com meus botões:
            - Dois defuntos!
            Arrastei a minha carcaça para casa não sem um sorriso disfarçado, uma espécie de vingança que o tempo lhe trouxera. Pouco importa que eu também fora vítima dele.


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