O OLHAR SEDUTOR
Da série Encontros Casuais
Seria metade
da manhã. De repente, ao longo da Av. Brasil, deparo-me com uma figura que
vinha ao meu encontro. Estaco-me à sua frente e só aí ela me nota.
- Parece que
eu te conheço! Ou é engano meu?
- Acho que
me conhece sim. Eu, pelo menos, sei quem você é. Não é aquela que trabalhava lá
na Cia. Telefônica, a Percilda?
- Sou eu
mesma. E você trabalhava lá no Banco, não é? É o Arnon.
Nos
abraçamos formalmente entre as conversas próprias de ocasiões semelhantes.
- Você
continua a mesma, Percilda. Bonita, elegante como sempre foi.
Ela empinou
a carcaça já subjugada pelo tempo e sorriu largo.
- Nada,
amigo! Já não sou o que era! – E despencou sobre mim um olhar sedutor que nos
tempos passados eu aguardei e nunca veio.
Lembro-me
que ela era namoradeira, mas sempre me esnobava, preferindo outros. Reconheço
que nunca fui lá um Alain Delon, mas tampouco os outros com quem ela saia.
Diversificadamente.
Teci-lhe
alguns elogios, falsos como o beijo de Judas.
- Você
continua a mesma, menina! (Olha a ironia). Elegante e linda como sempre foi.
Uma verdadeira uva! (Pensei comigo: uva passa).
Ela sorriu
com verdadeira satisfação e ainda com um olhar mais sedutor, prontificou-se a
me deixar seus contatos:
- Anote aí
meu telefone e me liga. Vamos nos encontrar para lembrar os velhos tempos.
Procurei nos
bolsos e anotei no único papel de que dispunha o número por ela fornecido.
Despedimo-nos
com a promessa de um breve encontro. Dobrei a primeira esquina e verifiquei que
anotara o número, por acaso, num desses cartões de agradecimento distribuídos
em porta de igreja após missa de sétimo dia. Lancei o papel embolado no
primeiro latão de lixo à minha frente e resmunguei com meus botões:
- Dois
defuntos!
Arrastei a
minha carcaça para casa não sem um sorriso disfarçado, uma espécie de vingança
que o tempo lhe trouxera. Pouco importa que eu também fora vítima dele.
Nenhum comentário:
Postar um comentário