O VELÓRIO
Placidino
Cangalha enfim descansara de longa enfermidade. A família chorosa velava o seu
corpo na sala modesta de sua residência, na periferia da Vila Três Cabaças. A
cachaça corria farta, como de costume nessas ocasiões. Alguma coisa de se
beliscar era servida de quando em vez naquela noite fria de junho.
Tocado a
cachaça e em passos incertos chega para a obrigação social o Clemente Pé
Inchado. Talvez mesmo em busca de reabastecimento e satisfação de seu vício, há
muito petrificado. E com a vantagem: ali a calibrina era servida sem quaisquer
ônus. Chegou manso, vergou o corpo na porta de entrada e cumprimentou os
parentes, já pesquisando com o olhar guloso onde poderia estar a garrafa.
Encontrou-a sobre a mesa, na cozinha e, sem cerimônia, já se serviu de uma dose
generosa. Retornou à sala onde repousava o falecido e ali teceu vários elogios
à sua figura. Comentou sobre a sua bondade e acabou fazendo algumas revelações
sobre o gosto do Cangalha por um rabo de saia, o que desagradou os filhos e
constrangeu a viúva que chorava à cabeceira do defunto. Repreendido por alguém,
disparou mais a metralhadora de sua língua indiscreta:
- Falo
mesmo! Falo e provo: o Cangalha foi o maior mulherengo que já vi. Não perdia
vaza. Bobeou tava no seu bico.
Foi afastado
para o quintal da casa enquanto era repreendido por alguns amigos da família.
- Cala essa
boca, Pé Inchado. Respeita a ocasião e a família do falecido!
Passou pela
cozinha quieto, como se tivesse ouvido os conselhos. Bebeu mais uma e voltou à
beira do caixão. Olhou para a figura pálida do morto e deixou escapar:
- Eh,
Cangalha. Cê era mesmo o tal! Se aparecesse por aqui os filhos que andou
espalhando pelo mundo, a casa não ia caber.
E disparou
uma cargalhada como uma rajada de metralhadora.
Foi posto
para fora aos arrancos e empurrões. Viu-se livre e ainda voltou-se à porta da
residência e disparou em com sua voz encachaçada:
- Olha,
pessoal. Pega seu defunto e enfia lá nos seus ...! – E nomeou o lugar.
E a passos
claudicantes perdeu-se na escuridão da noite. Como um fantasma embriagado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário