sexta-feira, 12 de junho de 2020


SEMPRE JUNTOS

            Florisvaldo Carqueja observava, ao lado de Dona Quitéria, o sol chafurdar-se entre as últimas árvores da montanha. Sentado num toco de braúna estendido frente à casa simples de seu sítio, remoía a sua vida:
            - Éh, Quitéria! Já fez quarenta anos do nosso casório. Cê lembra ainda?
            - Claro, Florisvaldo. Quem havera de esquecer. Foi num mês de maio. Tempo frio! Cê lembra?
            - Ara se lembro. E depois, menos de ano de nós dois junto, veio aquela seca brava.  Morreu metade do gadinho minguado que nós tinha! Cê lembra? E ocê sempre do meu lado!... Dispois melhorou. Mais foi uma labuta danada.
            -Éh! Aquela dificulidade... Mas rompemos adiante... Graças a Deus!
            - Depois... uns três anos depois... Aquele curisco que caiu na orvalheira ali em frente. Cê lembra? Quase que nós morre.  A gente ali  bisservando se a chuva vinha mesmo. E ocê do meu lado!...
            - Eh, Florisvaldo. Nós sempre junto!...
            - E aquele dia, então, que nós trevessemos a pinguela levando dois balaio de milho. O pau quebrou e nós caimo no reberão. Cê lembra? O milho foi embora e nós gripou com a água fria. Ocê sempre ao meu lado!...
            -Éh, Florisvaldo. Nós sempre junto!...
            - E agora, mês atrasado, nós caçando uma soca de milho na palhada quando aquela jararaca me passou o bico... Ocê, mais uma vez, do meu lado!...
            -Pois é, Florisvaldo! Quase que ocê embarca! Faltou pouco!
            - Pois é, Quitéria. Estou aqui pensando... Quarenta anos... Nós sempre junto. Cê me deu um azar disgramado!...

Arnon P. Tavares. 12.06.2020


Um comentário:

  1. Arnon,nosso escritor mandioqueiro,sua escrita é de uma leveza,bom humor e riquíssima em dialetos locais. Parabéns.

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