quinta-feira, 2 de julho de 2020



QUARENTENA LONGA

Chiquinho Sossego seguia a passos lentos pela rua do Vigário quando avistou na janela da casa cinza o seu amigo de outros tempos, o Lindomar Cuia-Velha. Cumprimentou-o com satisfação:
- Boa tarde, Lindomar, como vai? Anda sumido!
- É, Chiquinho, tô quieto aqui.
- Sei. Com esta pandemia há que se cuidar.  Mas com cautela vou me desviando dela e levando a minha vida. Não aguento ficar quieto e dou minhas voltas.
- Pois é, Chiquinho. Você é que é feliz! Estou de quarentena há muitos anos, aliás, desde que me casei. E a pandemia está ali dentro. Dorme na minha cama, come na minha mesa.
Disse isto em sussurros,  não sem antes correr os olhos para o interior de sua casa e pôr a mão em concha à volta da boca.
Chiquinho despediu-se e seguiu pela rua a passos lentos, brisa de início de outono desarrumando os seus cabelos.


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