MARMITA INDISCRETA
Pancácio Giró morava na periferia da
capital. Toda manhã, no mesmo horário e no mesmo ônibus, vinha fazendo
brincadeiras com os amigos no deslocamento para o serviço no centro da cidade.
Muito alegre só tinha um defeito: gostava de contar vantagens e demonstrar, com
seu prosear fajuto, um padrão de vida para o qual era incapaz. Contava história
de gastos que fizera, muitos acima de suas reais possibilidades. Se comprava
uma carne no açougue do bairro, fazia questão de levá-la em sacola
transparente. Ainda passava no barzinho da esquina para que os amigos vissem o
que comprara. Vestia-se relativamente bem e só andava em pé, adiante da roleta,
para se destacar entre os colegas que sentavam logo atrás e apreciavam aquele jeito
malandro de desovar a sua prosa.
Naquele dia,
como de costume, vinha ali matraqueando, sacola plástica na mão onde se podia
perceber em seu interior a marmita de seu almoço que sempre transportava. A uma
freada inesperada do veículo, perdeu o equilíbrio quase indo ao chão.
Equilibrou-se a tempo, agarrando-se no suporte acima. Contudo, teve que
desprender-se da marmita que caiu logo à sua frente. Com o impacto, saltou fora da sacola,
lançando a tampa para o lado, deixando a descoberto o almoço que levava: arroz,
feijão, repolho e um ovo. E no meio, um pé de frango, com os dedos crispados e
levantados como a saudar os companheiros que se distribuíam à frente.
A cena
despertou as gargalhadas dos colegas. O Pancácio, perdeu a poesia e desceu no
primeiro ponto à frente, com uma desculpa qualquer, para seguir no coletivo que
veio logo depois.
A partir
deste dia, passou a levantar-se meia hora mais cedo para tomar um ônibus
desinfetado de seus antigos companheiros. No bairro, pouco era visto pelas ruas.
Transformou-se
em outra pessoa. Nunca mais foi o Pancácio alegre que até então fora.
Pena!
19.10.2020
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