segunda-feira, 19 de outubro de 2020

 

MARMITA INDISCRETA

Pancácio Giró morava na periferia da capital. Toda manhã, no mesmo horário e no mesmo ônibus, vinha fazendo brincadeiras com os amigos no deslocamento para o serviço no centro da cidade. Muito alegre só tinha um defeito: gostava de contar vantagens e demonstrar, com seu prosear fajuto, um padrão de vida para o qual era incapaz. Contava história de gastos que fizera, muitos acima de suas reais possibilidades. Se comprava uma carne no açougue do bairro, fazia questão de levá-la em sacola transparente. Ainda passava no barzinho da esquina para que os amigos vissem o que comprara. Vestia-se relativamente bem e só andava em pé, adiante da roleta, para se destacar entre os colegas que sentavam logo atrás e apreciavam aquele jeito malandro de desovar a sua prosa.

            Naquele dia, como de costume, vinha ali matraqueando, sacola plástica na mão onde se podia perceber em seu interior a marmita de seu almoço que sempre transportava. A uma freada inesperada do veículo, perdeu o equilíbrio quase indo ao chão. Equilibrou-se a tempo, agarrando-se no suporte acima. Contudo, teve que desprender-se da marmita que caiu logo à sua frente.  Com o impacto, saltou fora da sacola, lançando a tampa para o lado, deixando a descoberto o almoço que levava: arroz, feijão, repolho e um ovo. E no meio, um pé de frango, com os dedos crispados e levantados como a saudar os companheiros que se distribuíam à frente.

            A cena despertou as gargalhadas dos colegas. O Pancácio, perdeu a poesia e desceu no primeiro ponto à frente, com uma desculpa qualquer, para seguir no coletivo que veio logo depois.

            A partir deste dia, passou a levantar-se meia hora mais cedo para tomar um ônibus desinfetado de seus antigos companheiros. No bairro, pouco era visto pelas ruas.

            Transformou-se em outra pessoa. Nunca mais foi o Pancácio alegre que até então fora.

            Pena!

 

19.10.2020

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