A NOITE DO LOBISOMEM
Peribaldo
Gancho seguia naquele anoitecer de sexta-feira, já em finais de Quaresma, em
direção ao sítio de sua propriedade, depois da Serra do Gambá Russo. Uma lua
quase cheia, brunida, vagabundava na imensidão do céu. Antecipava mentalmente o
encontro que teria dali a pouco com a Comadre Pedrelina que lhe lançara uns
olhares safadosos três dias antes lá na venda do Mafaldo:
- Passa lá,
Peribaldo! Vamos ficar satisfeitos com
sua visita.
E minguando
a fala, quase num cochicho:
- Clementino
viajou e só volta no domingo.
Tão logo
desviou-se da estrada para as artes a que se propunha, viu o Chiquinho Pangaré
descendo a serra em direção à venda na beira da estrada bem adiante onde sempre
adquiria querosene para a iluminação de seu rancho e meio litro de cachaça que
trazia sempre na mesma botelha para o seu consumo diário. Conheceu o Pangaré
pelo seu andar estropiado e pela carcaça meio arqueada, já que, apesar da lua,
a sombra da mata embaçava a visão.
Seguiu as
suas más intenções e visitou a sua comadre. O que se passou lá só dá para
deduzir. Não vi e me abstenho de relatar.
Chegou em
casa umas duas horas mais tarde do que de costume sob os olhares inquiritivos
da patroa:
- Onde cê
andava, home? Até essa hora!?
Narrou uma
história imaginativa, o que sempre fora seu forte:
- Encontrei
o Pangaré ali na curva da mata, tremendo como vara verde, que me relatou o
encontro que tivera com um lobisomem, dos graúdos, justamente ali debaixo do pé
de gameleira. Pensei até em voltar e me arranchar nalgum lugar para evitar a
encrenca. Mas fiquei preocupado com você aqui só com as crianças e, depois que
tomei coragem, rezei umas orações e
percorri uma trilha estreita na mata onde lobisomem não frequenta e consegui
chegar.
Lavou os pés
e se deitou, sonhando com cantos de pássaros, flores em beira de riacho e, se
alguém reparasse, certamente perceberia um sorriso de borboleta em sua face
vagabunda.
Dia seguinte
avista o Pangaré recolhendo lenha próximo à sua divisa e, na presença da sua
mulher, pergunta pela assombração:
- E aí,
home, recuperou-se do susto? Tempo de
Quaresma é tempo bravo!
- Susto? De
que susto cê tá falando?
- Do encontro
ontem com o lobisomem! Lembra que me
contou lá no final da serra?
- Sei de
nada, não! Nem vi o Senhor ontem!
Fixou o
olhar perguntativo no Peribaldo e depois deixou-o passear pelo vazio em volta.
Perivaldo
comentou à boca miúda com a mulher:
- Bem que
meu Padrinho Caixeta dizia, pouco antes de desencarnar:
- O bafo de lobisomem
faz perder a memória uns cinco ou dez minutos depois e o vivente não mais se
lembra do assombrado. É a sabedoria de Deus para evitar deixar o homem mofino,
sem coragem para sair em noite de Quaresma.
Virou-se
para um lado e sorriu safadamente naquele final de tarde.
29.10.2020.
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