terça-feira, 30 de junho de 2015

O TIRA-GOSTO



Berdoaldo Fonseca, o Fonsecão, ganhava a vida numa espelunca de final de rua na Vila dos Mosquitos. Muito franco, mantinha uma clientela razoável, tratando cada freguês com casca e tudo.  Entretanto, ninguém o levava a sério. Comiam e bebiam se divertindo naquele antro, provocando de propósito as agressões nada sérias do botequeiro que tinha uma mania antiga: não admitia ser contrariado. Sua palavra devia sempre prevalecer. A turma contestava suas afirmativas só para vê-lo irritado, sustentando com veemência a sua afirmativa.
         Naquele dia, chega o Bodão. Cumprimenta a turma com uma saudação generalizada. Pede logo uma cachaça acompanhada:
- Solta um pingão aí e um naco desta carne velha de mais de uma semana.
O Fonsecão foi providenciar o pedido, não sem antes soltar uma meia dúzia de palavrões.
Bodão bebeu a pinga, ergueu o pedaço de carne até a altura das ventas. Farejou o tira-gosto... Olhou em volta e dirigiu-se ao botequeiro:
- Olha, Fonsecão, esta carniça aqui eu não como, não! Tá passada há mais de três dias.
- Cê besta, Bodão. Foi feita hoje. Acabou de sair do fogo. Já vi que ocê não tá acostumado a comer carne.
O tira-gosto rodou o nariz da turma e todos reafirmaram o seu mau cheiro.
O Fonsecão não admitia. Pegou o naco de carne, farejou-o e deu seu parecer:
- Novinho, novinho. Eu mesmo vou comer pro’cês verem, cambada de sem-vergonhas.
Comeu. Em seguida saiu em direção ao banheiro, tampando a boca com a mão. De fora ouviu-se o barulho do descomer do petisco. Voltou reafirmando a prestabilidade da carne:
- Tá boa, sim! Eu é que estou com o bucho meio enfastiado, desde aquela festa da padroeira.
Por insistência da turma, jogou a carne(iça) na rua em frente. Um cachorro magro que passava aproximou-se, farejou de longe os três pedaços do tira-gosto e foi-se embora, caudabaixo.
Meia hora mais tarde - o Mané Cebola foi quem viu – um gatão rajado achou aquilo lá no mesmo lugar. Farejou, rapou terra encobrindo cada um dos nacos de carne. Olhou em volta e retirou-se a passos lentos com a pose de quem tinha cumprido o seu dever.

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