O
TIRA-GOSTO
Berdoaldo
Fonseca, o Fonsecão, ganhava a vida numa espelunca de final de rua na Vila dos
Mosquitos. Muito franco, mantinha uma clientela razoável, tratando cada freguês
com casca e tudo. Entretanto, ninguém o
levava a sério. Comiam e bebiam se divertindo naquele antro, provocando de
propósito as agressões nada sérias do botequeiro que tinha uma mania antiga:
não admitia ser contrariado. Sua palavra devia sempre prevalecer. A turma
contestava suas afirmativas só para vê-lo irritado, sustentando com veemência a
sua afirmativa.
Naquele dia, chega o Bodão. Cumprimenta a turma com uma
saudação generalizada. Pede logo uma cachaça acompanhada:
-
Solta um pingão aí e um naco desta carne velha de mais de uma semana.
O
Fonsecão foi providenciar o pedido, não sem antes soltar uma meia dúzia de
palavrões.
Bodão
bebeu a pinga, ergueu o pedaço de carne até a altura das ventas. Farejou o
tira-gosto... Olhou em volta e dirigiu-se ao botequeiro:
-
Olha, Fonsecão, esta carniça aqui eu não como, não! Tá passada há mais de três
dias.
- Cê
besta, Bodão. Foi feita hoje. Acabou de sair do fogo. Já vi que ocê não tá
acostumado a comer carne.
O
tira-gosto rodou o nariz da turma e todos reafirmaram o seu mau cheiro.
O
Fonsecão não admitia. Pegou o naco de carne, farejou-o e deu seu parecer:
-
Novinho, novinho. Eu mesmo vou comer pro’cês verem, cambada de sem-vergonhas.
Comeu.
Em seguida saiu em direção ao banheiro, tampando a boca com a mão. De fora
ouviu-se o barulho do descomer do petisco. Voltou reafirmando a prestabilidade
da carne:
- Tá
boa, sim! Eu é que estou com o bucho meio enfastiado, desde aquela festa da
padroeira.
Por
insistência da turma, jogou a carne(iça) na rua em frente. Um cachorro magro
que passava aproximou-se, farejou de longe os três pedaços do tira-gosto e
foi-se embora, caudabaixo.
Meia hora mais tarde
- o Mané Cebola foi quem viu – um gatão rajado achou aquilo lá no mesmo lugar. Farejou,
rapou terra encobrindo cada um dos nacos de carne. Olhou em volta e retirou-se a
passos lentos com a pose de quem tinha cumprido o seu dever.

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