sexta-feira, 31 de julho de 2015

                                                            OS ESPELHOS


                           Ah!... Os espelhos. Sempre me identifiquei com eles.  Fizeram parte importante de minha infância.  Eram eles os companheiros de um menino de roça, muitas vezes sem uma companhia de outra criança, sem um meio de viabilizar uma travessura ou uma aventura pelo espaço amplo de  que dispunha.. Eram eles, os espelhos,  a viabilização de meus sonhos. Quantas horas os detive  entre os  dedos, aqueles retangulares,  de trinta por vinte (centímetros), mais ou menos, moldura alaranjada, através dos  quais, menino sonhador, viajei  pelos céus do universo, quando ainda não se ouvia sequer falar-se em naves, conquistas  da lua, de outros planetas.
                               Eu já frequentara esse lugares remotos muito antes dos americanos e dos russos. Sou, portanto, e reivindico esse direito de ser, o precursor das viagens interplanetárias.
                               Mas como?... E a nave? E a tecnologia avançada que possibilitava essas aventuras? Como viabilizá-las?  Como? Para um simples menino da roça, carente mesmo dos recursos tecnológicos mais primários disponíveis à época, como um rádio ou até  mesmo a energia elétrica.
                               Mas e o espelho? Era ele a minha nave, o meu transporte ultramoderno que me levava onde a minha imaginação programava. Fui, inúmeras vezes ao infinito. Visitei estrelas, a lua nova, a lua cheia... Bastava me postar em local a descoberto e, com o auxílio do espelho, disposto abaixo de minhas vistas, conseguia pôr a meus pés o abismo do infinito e, assim sendo, bastava me soltar e, pela minha compreensão, cairia indeterminadamente pelo vão do espaço ilimitado.
                               Chegava a me arrepiar frente ao abismo absoluto.
                               Via também as montanhas invertidas e transformava as planícies em paredões íngremes. Fazia as águas contrariarem a lei da gravidade, correndo os córregos de forma invertida, sem derramar sobre mim.  Via árvores com as copas no chão e os troncos apontados para o céu. Via cachorros, gatos, vacas, cavalos... Todos se deslocando de ponta cabeça.
                               Divertia-me  e, com isso, remoía o tempo. É que a imaginação  de um menino  não tem limites.
                               Ultimamente não me simpatizo tanto com os espelhos. Já não tenho tanto tempo de, através deles, revirar meu mundo ponta cabeça. Por outro lado, encará-los de frente nunca foi minha especialidade. Acho que, como dizia Jean Cocteau, eles deveriam primeiro refletir um pouco antes de devolver a imagem. Por outro lado, como já tenho dito, vejo costumeiramente fantasmas entre as molduras do retângulo. Assim sendo, ainda prefiro observá-los enviezadamente quando, muitas vezes, me surpreendo com a resposta que me dão.


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