Ah!... Os espelhos.
Sempre me identifiquei com eles. Fizeram
parte importante de minha infância. Eram
eles os companheiros de um menino de roça, muitas vezes sem uma companhia de
outra criança, sem um meio de viabilizar uma travessura ou uma aventura pelo
espaço amplo de que dispunha.. Eram
eles, os espelhos, a viabilização de
meus sonhos. Quantas horas os detive
entre os dedos, aqueles
retangulares, de trinta por vinte
(centímetros), mais ou menos, moldura alaranjada, através dos quais, menino sonhador, viajei pelos céus do universo, quando ainda não se
ouvia sequer falar-se em naves, conquistas
da lua, de outros planetas.
Eu
já frequentara esse lugares remotos muito antes dos americanos e dos russos. Sou,
portanto, e reivindico esse direito de ser, o precursor das viagens
interplanetárias.
Mas
como?... E a nave? E a tecnologia avançada que possibilitava essas aventuras?
Como viabilizá-las? Como? Para um
simples menino da roça, carente mesmo dos recursos tecnológicos mais primários
disponíveis à época, como um rádio ou até
mesmo a energia elétrica.
Mas
e o espelho? Era ele a minha nave, o meu transporte ultramoderno que me levava
onde a minha imaginação programava. Fui, inúmeras vezes ao infinito. Visitei
estrelas, a lua nova, a lua cheia... Bastava me postar em local a descoberto e,
com o auxílio do espelho, disposto abaixo de minhas vistas, conseguia pôr a
meus pés o abismo do infinito e, assim sendo, bastava me soltar e, pela minha
compreensão, cairia indeterminadamente pelo vão do espaço ilimitado.
Chegava
a me arrepiar frente ao abismo absoluto.
Via
também as montanhas invertidas e transformava as planícies em paredões
íngremes. Fazia as águas contrariarem a lei da gravidade, correndo os córregos
de forma invertida, sem derramar sobre mim.
Via árvores com as copas no chão e os troncos apontados para o céu. Via
cachorros, gatos, vacas, cavalos... Todos se deslocando de ponta cabeça.
Divertia-me
e, com isso, remoía o tempo. É que a
imaginação de um menino não tem limites.
Ultimamente
não me simpatizo tanto com os espelhos. Já não tenho tanto tempo de, através
deles, revirar meu mundo ponta cabeça. Por outro lado, encará-los de frente
nunca foi minha especialidade. Acho que, como dizia Jean Cocteau, eles deveriam
primeiro refletir um pouco antes de devolver a imagem. Por outro lado, como já
tenho dito, vejo costumeiramente fantasmas entre as molduras do retângulo.
Assim sendo, ainda prefiro observá-los enviezadamente quando, muitas vezes, me
surpreendo com a resposta que me dão.

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