O PIROTÉCNICO
O barril do
tempo, naquele dia antigo, gotejava preguiçosamente cada minuto. João Camilo
descansava na espreguiçadeira da sala quando ouviu umas batidas leves,
repetidas, oriundas do varandão da frente da fazenda. A cachorrada latia inquieta
anunciando presença estranha. Com certa dificuldade, ergueu-se o velho e, a
passo lento, foi ver o que era. Ainda sobre o cavalo um sujeito empinado, no
descambar da juventude, vestido com certa elegância, cumprimentou-o
cortesmente.
- Boa tarde,
Senhor! Estou de passagem e vim pedir uma caneca d’água. Pretendo chegar, antes
da noite, lá em São Sebastião dos Correntes.
- Apeie e se
achegue, companheiro! Ainda tem muito chão até o seu destino.
O forasteiro
apeou, passou o cabo do cabresto numa travessa de madeira apropriada para tal
e, de chapéu na mão, subiu os quatro degraus que davam acesso à varanda.
- Prazer,
Senhor, meu nome é Mário Xavier, seu criado.
- Esteja à
vontade, Seu Mário. Meu nome é João Camilo. Vamos entrar. O Senhor toma a sua
água e descansa enquanto mando passar um café da hora.
Sentados na
sala, ainda pouco à vontade, as indagações costumeiras:
- Ainda que
mal pergunte, qual é mesmo o seu ofício – indagou o fazendeiro.
- Ah, sim.
Eu sou pirotécnico, Seu Camilo.
- Heim! Piro
treco? Pirou teco?...
- É mais ou
menos isto. Pirotécnico – repetiu o visitante.
João Camilo
empinou a carcaça do peito, assumiu ares de dignidade e disparou a ordem em
direção à cozinha:
- Tatana,
prepara um café novo aí para o moço. De açúcar, viu? E vê se avia também uns
bolinhos ou umas broas pro doutor.
E o Xavier,
um pouco constrangido:
- Nem tanto,
Seu Camilo! Nem tanto!
E o
fazendeiro voltando-se curioso para o rapaz:
- Seu Mário,
desculpe a ignorância, mas o que é mesmo que o Senhor faz no seu ofício?
- Olha, Seu
Camilo, é rojão, foguetes de varas, bombas, traques, busca-pés... Estou indo lá
na Vila de São Sebastião para uma festa do padroeiro.
E o velho,
sem disfarçar um ar de decepção, voltando-se para a cozinha:
- Tatana,
faz o café de rapadura mesmo e traz aqui depressa. O moço é fogueteiro, ouviu!
(Do meu livro Ao Redor da Fogueira).
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