quinta-feira, 17 de janeiro de 2019


O COBRADOR

Pedrelino Grilo bebia suas cachaças na venda de Zé Torresmo e, como de seu feitio, arrastava queixo contando vantagens de brigas e desaforos que, segundo afirmava, nunca levava pra casa.
            Nesse fim de tarde, depois de uma ou duas, ainda sóbrio, foi-lhe proposto pelo vendeiro dirigir-se até uma rua adjacente e cobrar umas contas de Zenóbio Praxedão que, além de mau pagador, era também metido a bravo.
            - Vai lá Grilo, e vê se recebe essas contas pra mim. Aí estão os vales que ele assinou e o total neste outro papel. Acho que você é o homem indicado para fazer essa cobrança. Além do mais, ainda lhe molho a mão com algum para irrigar o seu fim de semana na cachaça.
            O Grilo empinou a carcaça mirradinha e prontificou-se para a empreitada.
            - Pode deixar que daqui a pouco volto com o dinheiro.
            Quebrou a esquina próxima e dirigiu-se à casa do Zenóbio. Cerca de quinze minutos depois volta ele, carcaça arqueada, cabisbaixo e relatou assim o ocorrido:
            - Olha, Zé Torresmo, o homem hoje andava atacado. Mal lhe falei nas contas ele me jogou na cara uma dividazinha de  vinte mirréis que ele  garantiu ter me emprestado há anos atrás.  Tive que escarafunchar meus bolsos e apurei dezoito mirréis que, segundo ele, em dia de bondade deixava ficar por aquilo mesmo. Não me jogou escada abaixo porque não esperei.
            - Quer dizer que ele não pagou o que me deve... Safado, caloteiro! E cadê as contas que você levou?
            O Grilo, olhar baixo, envergonhado, resmungou:
            - Aquela peste fez eu comer os papéis todos, Zé Torresmo. Até aquele ferrim que vinha prendendo um no outro.
            Retirou-se murcho como uma flor vencida e foi beber fiado na venda do Mané Bola. Certamente para digerir os papéis e o clipe.

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