LIVRAMENTO
Calimério
Custódio era proprietário de umas terrinhas. Pequena área mas de boa qualidade,
lá em Ribeirão do Sapo. Casado com Venância,
tinham um casal de filhos ainda pequenos. Naquele final de manhã, velava
em sua propriedade a sua sogra, Cordelina, falecida durante a madrugada em
decorrência de uns descompassos do coração, mazela da qual padecia de uns meses
para cá. Desde que se casara, a sogra, viúva e sem mais filhos, veio morar com
eles. Pessoa afável e boa, ajudava muito nas tarefas domésticas, na criação dos
filhos e, de índole discreta, não interferia em nada na vida do casal.
Naquele dia,
num canto da varanda, Calimério narrava ao seu compadre João Vicente as suas peripécias
com uma antiga namorada que retornara à Ribeirão do Sapo há cerca de três meses,
período no qual reviveram secretamente um amor que já se acoitara sob a poeira
do tempo.
- Pois é,
Compadre João. A danada me procurou e me provocou até que andei dando umas
voltas escondido com ela por essas beiradas de córrego. Depois danou a me pedir
dinheiro ameaçando contar tudo à Venância se eu não abrisse a mão. Cê sabe que
minha vida de casado é boa, e que minha família importa mais do que qualquer
enrolada em busca de complicações.
Dizia isto à
boca pequena, rodeando o olhar para certificar-se de que ninguém mais escutava.
E
prosseguiu:
- Semana
passada desistiu de me importunar, mas tive que liberar dinheiro para pegar um
carro até São Clemente e, de lá, a passagem para São Paulo para onde retornou
com promessa de me deixar em paz.
Nesse
momento, mais empolgado por se ver livre do rodilha de encrenca em que se
metera, não observou a Venância chegando
e, em voz um pouco mais elevada, desabafou com o compadre:
- Pois é,
Compadre João, fiquei livre da encrenca para sempre. Era uma despesa danada!
Acabou. Agora vou viver a minha vida como sempre quis: sem aborrecimentos, sem
preocupação. Vida nova que segue. Graças a Deus! Foi-se embora o trambolho de
minha vida. Graças a Deus!
Venância
ouviu aquilo abismada, pensando tratar-se o trambolho a que se referira o
marido, de sua mãe estendida entre quatro velas na sala da casa.
Não disse
nada, retornou a passos pesados para desfazer para sempre o casamento que lhe
parecia feliz logo depois do sepultamento da mãe.
Justificativa
alguma conseguiu reativar a união. A verdade, um tanto quanto tenebrosa, não
sei se foi contada.
Cada um pro
seu lado, e o Calimério, a trancos e barrancos, vai vegetando de boteco em
boteco pelos solavancos da vida.
Venância amasiou-se
com um sitiante lá na mesma vila e vai tocando sua vidinha miúda, com seus três
filhos, um resultante da nova união.
09.07.2020
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