quinta-feira, 9 de julho de 2020


LIVRAMENTO

            Calimério Custódio era proprietário de umas terrinhas. Pequena área mas de boa qualidade, lá em Ribeirão do Sapo. Casado com Venância,  tinham um casal de filhos ainda pequenos. Naquele final de manhã, velava em sua propriedade a sua sogra, Cordelina, falecida durante a madrugada em decorrência de uns descompassos do coração, mazela da qual padecia de uns meses para cá. Desde que se casara, a sogra, viúva e sem mais filhos, veio morar com eles. Pessoa afável e boa, ajudava muito nas tarefas domésticas, na criação dos filhos e, de índole discreta, não interferia em nada na vida do casal.
            Naquele dia, num canto da varanda, Calimério narrava ao seu compadre João Vicente as suas peripécias com uma antiga namorada que retornara à Ribeirão do Sapo há cerca de três meses, período no qual reviveram secretamente um amor que já se acoitara sob a poeira do tempo.
            - Pois é, Compadre João. A danada me procurou e me provocou até que andei dando umas voltas escondido com ela por essas beiradas de córrego. Depois danou a me pedir dinheiro ameaçando contar tudo à Venância se eu não abrisse a mão. Cê sabe que minha vida de casado é boa, e que minha família importa mais do que qualquer enrolada em busca de complicações.
            Dizia isto à boca pequena, rodeando o olhar para certificar-se de que ninguém mais escutava.
            E prosseguiu:
            - Semana passada desistiu de me importunar, mas tive que liberar dinheiro para pegar um carro até São Clemente e, de lá, a passagem para São Paulo para onde retornou com promessa de me deixar em paz.
            Nesse momento, mais empolgado por se ver livre do rodilha de encrenca em que se metera, não observou a Venância chegando  e, em voz um pouco mais elevada, desabafou com o compadre:
            - Pois é, Compadre João, fiquei livre da encrenca para sempre. Era uma despesa danada! Acabou. Agora vou viver a minha vida como sempre quis: sem aborrecimentos, sem preocupação. Vida nova que segue. Graças a Deus! Foi-se embora o trambolho de minha vida. Graças a Deus!
            Venância ouviu aquilo abismada, pensando tratar-se o trambolho a que se referira o marido, de sua mãe estendida entre quatro velas na sala da casa.
            Não disse nada, retornou a passos pesados para desfazer para sempre o casamento que lhe parecia feliz logo depois do sepultamento da mãe.
            Justificativa alguma conseguiu reativar a união. A verdade, um tanto quanto tenebrosa, não sei se foi contada.
            Cada um pro seu lado, e o Calimério, a trancos e barrancos, vai vegetando de boteco em boteco pelos solavancos da vida.
            Venância amasiou-se com um sitiante lá na mesma vila e vai tocando sua vidinha miúda, com seus três filhos, um resultante da nova união.
09.07.2020

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