terça-feira, 30 de junho de 2015

SANTO REMÉDIO



Tibúrcio Alpercata era o maior entendedor de doenças de cavalo lá em Capoeira da Onça. Aliás, era o único. Cuidava de uma meia dúzia de equinos e tinha fama de conhecer de suas mazelas e dos tratamentos para combatê-las. Além dos cavalos, era também grande apreciador de uma caninha. Passava as horas de folga, que eram a maioria delas, no boteco do Calixto jogando conversa fora e entornando copos.
         Naquela tarde, chega o Benevaldo. Cumprimenta a turma e logo se dirige ao Tibúrcio:
         - E aí, Tiburção, como tem passado?
         - Assim como Deus permite. Não posso me queixar. S’eu queixo é de burro.
         - Falando sério, Tibúrcio, eu estou com um cavalo lá no meu sítio com aquela doença, o garrotilho. Fiquei sabendo que um dos seus animais teve isso também há uns dias atrás. Que remédio você deu pra ele?
         O Tibúrcio bebeu mais uma e, com ar professoral, passou a receita:
         - Olha, Benevaldo, eu dei para o meu sulfadiazina e preparei também um chá de folha de eucalipto.  O chá é só para o bicho cheirar aquele vapor que sai da vasilha. Bem quente.
         Benevaldo agradeceu e foi aviar o receitado.
         Dois dias depois, no mesmo boteco, chega o Benevaldo. Dirige-se outra vez ao Tibúrcio, que como sempre, lavorava nas bordas dos copos:
         - Olha, Tiburção, eu dei o remédio para o meu cavalo, do jeito que ‘cê falou. Adiantou nada. O bicho morreu.
         E o receitante, jogando de lado, o resto da pinga para o santo:
         - O meu também.
     Benevaldo deu um muxoxo, olhou para um lado e para o outro e retirou-se da espelunca.
PROIBIDO SAIR



                Década de sessenta. A guerra fria ameaçava o mundo. Lá na Vila do Macaco Prego, as preocupações eram outras. Na casa da viúva Marcolina Praxedes o ambiente não era dos melhores.  Sua única filha, a Maria do Rosário, por aí com seus dezesseis anos,  há dias vivia chorando pelos cantos da pequena casa. Nisso chega o Dorval, amigo velho e padrinho da menina. Após as saudações costumeiras, percebe os olhos vermelhos da mocinha:
                - Mas que tá havendo por aqui? Por que este zoinho triste da minha menina?
                E Marcolina explica que não está deixando a moça sair na rua para encontrar suas amigas. Nem mesmo à aula de costura ela tem ido. E a menina está enfadada de tanto viver presa, daí aquele choro constante.
                E a repreensão do compadre:
                - Mas por que diabo a menina não pode sair? Se ela é tão ajuizada, tão direita... E nem namorado tem ainda!
                E a Marcolina desaprovando a ignorância do Dorval:
                - Uai, compadre, então ocê não tá sabendo que tá vindo por aí um tal de Comunismo que não respeita moça donzela, mulher casada, criança nem nada?  Enquanto ele não passar e sumir de vez destas bandas ela não sai. Não sai e não sai. E pode chorar.
                
O TIRA-GOSTO



Berdoaldo Fonseca, o Fonsecão, ganhava a vida numa espelunca de final de rua na Vila dos Mosquitos. Muito franco, mantinha uma clientela razoável, tratando cada freguês com casca e tudo.  Entretanto, ninguém o levava a sério. Comiam e bebiam se divertindo naquele antro, provocando de propósito as agressões nada sérias do botequeiro que tinha uma mania antiga: não admitia ser contrariado. Sua palavra devia sempre prevalecer. A turma contestava suas afirmativas só para vê-lo irritado, sustentando com veemência a sua afirmativa.
         Naquele dia, chega o Bodão. Cumprimenta a turma com uma saudação generalizada. Pede logo uma cachaça acompanhada:
- Solta um pingão aí e um naco desta carne velha de mais de uma semana.
O Fonsecão foi providenciar o pedido, não sem antes soltar uma meia dúzia de palavrões.
Bodão bebeu a pinga, ergueu o pedaço de carne até a altura das ventas. Farejou o tira-gosto... Olhou em volta e dirigiu-se ao botequeiro:
- Olha, Fonsecão, esta carniça aqui eu não como, não! Tá passada há mais de três dias.
- Cê besta, Bodão. Foi feita hoje. Acabou de sair do fogo. Já vi que ocê não tá acostumado a comer carne.
O tira-gosto rodou o nariz da turma e todos reafirmaram o seu mau cheiro.
O Fonsecão não admitia. Pegou o naco de carne, farejou-o e deu seu parecer:
- Novinho, novinho. Eu mesmo vou comer pro’cês verem, cambada de sem-vergonhas.
Comeu. Em seguida saiu em direção ao banheiro, tampando a boca com a mão. De fora ouviu-se o barulho do descomer do petisco. Voltou reafirmando a prestabilidade da carne:
- Tá boa, sim! Eu é que estou com o bucho meio enfastiado, desde aquela festa da padroeira.
Por insistência da turma, jogou a carne(iça) na rua em frente. Um cachorro magro que passava aproximou-se, farejou de longe os três pedaços do tira-gosto e foi-se embora, caudabaixo.
Meia hora mais tarde - o Mané Cebola foi quem viu – um gatão rajado achou aquilo lá no mesmo lugar. Farejou, rapou terra encobrindo cada um dos nacos de carne. Olhou em volta e retirou-se a passos lentos com a pose de quem tinha cumprido o seu dever.
HISTÓRIA DE ONÇA



Vamos contar hoje uma historinha ocorrida lá na Mata do Angico Velho.
            Estava por lá um cachorro vagando pelas beiras do matagal procurando alguma coisa para se alimentar. Farejou, farejou até que achou por ali, esquecidos, uns ossos, possivelmente deixados por algum animal. Esfomeado que estava, começou a roê-los, observando à volta. Nisso, viu numa moita próxima, uma onça pintada que o observava, olhar cobiçoso. Fingiu que não viu o felino e comentou em voz a ser ouvida nas adjacências:
            - Oncinha apetitosa que acabei de comer! Pena que não tem mais! Se tivesse descia bem!
            A onça ouviu aquilo e pensou, lá com seus botões, aliás com o seu botão, porque, pelo que me consta, onça só tem um botão:
            - Eu, hem! Vou cair fora! Este cachorro é perigoso!
            E, com patas de veludo, foi saindo de fininho e sumindo na mata para alegria do cão.
            Um macaco, xereta e fofoqueiro, que de cima de uma árvore observara tudo, saiu atrás de onça e foi encontrá-la numa clareira mais adiante. E para ganhar pontos com o bicho mais valente daquela mata, foi logo fazendo média:
            - Olha, Dona Onça, aquele cachorro não pegou coisa nenhuma. Achou ali na boca da mata aqueles ossos e, quando viu a senhora, tirou uma de valente. Aquele vira-latas esfomeado não mata nem um rato. Ele fez a senhora de otária.
            A onça ficou por conta. Convocou o macaco:
            - Monta aqui nas minhas costas que eu vou voltar lá mostrar pra aquele cachorro sem vergonha quem é que manda nesta mata.
            E foi.
            O cachorro quando viu a onça retornando, com o macaco nas costas, teve mais uma ideia brilhante. Quando se aproximavam, exclamou em voz a ser ouvida pela dupla:
            - Lá vem aquele macaquinho esperto trazendo mais uma onça para eu comer.

            O felino quedou-se, olhou para o cachorro que permanecia firme no seu lugar. Virou-se para o macaco, pegou-o pelo pescoço. Enfiou-lhe a mão na faixada, fazendo-o estatelar-se longe. Sumiu a galope na quebrada da mata.
CADÊ MEU CHAPEU

            Itupeva é um pequeno distrito de Medeiros Neto, município do sul da Bahia. Há também uma cidade do Estado de São Paulo com este nome, mas isto não nos interessa para o presente causo.
            Itupeva, na língua tupi-guarani, significa cascata baixa ou corredeira.
            Vamos ao que interessa. A Itupeva da Bahia era conhecida até determinada época pelo nome de Chapeu Velho. Depois de rebatizada, seus habitantes passaram a desprezar o nome antigo e se assim fosse denominada sentiam-se ofendidos.
            Numa tarde de sol morno, chega à vila o Pedro Cabaça, morador de uma comunidade mais distante. Encachaçado até à tampa, como de seu costume, começa a fazer pataquada na pracinha única do lugar. Fala pelos cotovelos e, jogando seu chapelinho para cima, começa a provocar o povo  do lugar:
            - Viva o meu chapeu! Viva o Chapeu Velho.
            Quinquim Bigode foi o  primeiro a repreendê-lo:
            - Olha, moço, o povo daqui não está gostando deste abuso, não. Se eu fosse o Senhor caia fora antes que o caldo engrosse.
            E o Cabaça, cada vez mais provocativo:
            - Que nada, Sô! É Chapeu Velho mesmo. Chapeu Velho! Falei e repito.
            Aí reuniram-se uns desocupados que presenciavam o espetáculo e descansaram as mãos no lombo do cachaceiro. Deixaram-no estatelado na poeira amarelada da via pública. Uns dez minutos depois, o Pedro levanta-se, desconfiado e vai tomando o rumo da saída da vila, sob o olhar de censura do povo do lugar.  De repente retorna até o centro da praça, sendo interpelado por um daqueles que o havia agredido:
            - O quê que é, sujeito! Voltou para apanhar mais? Não tomou vergonha?
            E o Cabaça humilde, subserviente e desculpativo:
            - O Senhor desculpa. Já tô indo embora. Só vim pegar minha Itupeva que ficou aqui.
            Recolheu o seu chapelinho velho e, a passos largos, sumiu na quebrada da rua adjacente.
BICHEIRA DO BURRO



            Manuel Português chegou na farmácia do Glicério já no fim da tarde. Depois de um dedo de prosa, disse ao que veio:
            - Olha, Glicério, meu burro está com uma bicheira debaixo do rabo, bem ali na beirinha, cê sabe, né, e vim aqui para saber se tem aí algum remédio para curar o melefício.
            O boticário pesquisou nas suas prateleira e trouxe um vidro com um pozinho branco. Recomendou:
            - Você despeja este remédio numa folha dobrada de papel, em forma de bica. Pede a alguém para levantar o rabo do burro e,  direcionando o canudo para o lugar afetado, sopre o pó na ferida.  Dentro de três dias você volta cá e me conta. Garanto que o problema estará resolvido.
            Não foram necessários três dias. Dia seguinte, chega o Manuel à farmácia, com um tapa-olho no lado direito. Resmungou um cumprimento e foi interpelado pelo boticário:
            - E aí, Manuel, que diacho aconteceu? E seu burro? Melhorou?
            E o Português, meio desolado, ainda segurando o tapa-olho:
            - Olha, Glicério, eu fiz como o Senhor recomendou: coloquei o pó na folha de papel, direcionei para a bicheira, mas deu tudo errado.
            - Mas o que houve, Manuel, não pode ter dado errado.
            - É, Glicério, é que o burro soprou primeiro.
O FRAQUE

         Horácio Ganimedes era morador lá das beiras do João Inácio, localidade distante de cerca de pouco mais de légua da Vila de São Sebastião dos Correntes. Proprietário de uma nesga de terra, cerca de alqueire e meio, vivia com a mulher, a Ermengarda, dependendo de algumas plantações: milho, feijão, mandioca... e algumas criações que vendia na Vila nos finais de semana.
         Naquele ano antigo tinha projetos mais ousados. Sempre quis ter um fraque, aquela casaca usada pelas pessoas mais importantes em dias de solenidades. E o feijão produzira mais que o esperado. Era a oportunidade de realizar o sonho que o acompanhava desde que deixou de ser criança. Vendido o cereal, apurou-se quantia razoável. Com a aquiescência da companheira, adquiriu o tecido e encomendou a peça em alfaiataria do lugar. Sonhava dia e noite com a indumentária  clássica.
         Enfim, recebeu o casaco, tal como encomendara: elegante, bonito e com aquelas duas pontas pingentes do traseiro.  Sentiu-se realizado.
         Domingo de manhã, dirigiu-se à Vila para desfilar com a sua preciosidade. Haveria missa às dez horas. Era a festa de São Sebastião. A patroa, por conta de uma indisposição, não o acompanharia. Arrumou-se bem, chegou até a despejar no vão do sovaco um perfume que ganhara num jogo de barraquinha em dia de quermesse. E desceu rumo à Vila, vestido com a roupa nova, calça arregaçada e botina reluzente na mão, a ser calçada na entrada da cidade. A poeira da estrada não poderia emporcalhar a sua indumentária e a sua peça inaugurante. Estrada afora, os conhecidos se admiravam de ver o moço elegantemente trajado:
         - Olha o Horácio de fraque!
         De cada um que encontrava ou de cada residência pela qual passava ouvia a mesma frase admirativa:
         - Olha o Horácio de fraque! O Horácio de fraque!
         Aquilo foi lhe trazendo um aborrecimento continuado e crescente a cada vez que ouvia a admiração dos conhecidos. Por que só ele chamava tanta atenção?... Muitos usavam o fraque em dias de gala e passavam desapercebidos. Só ele era destacado como se fosse um bicho raro ou uma anomalia chamativa. No povoado do Torra, então, ouviu a expressão admirativa por inúmeras vezes. Pensou até em desvestir-se da novidade ou retornar à sua residência lá no mato. Mas não. Na Vila dos Correntes talvez fosse apenas admirado sem o apelo chamativo que o aborrecia.
         Na entrada da Vila, na curva do rio Correntes junto às frondes dos marinheiros, lavou os pés, aguardou que secassem naturalmente. Calçou as botinas, desdobrou as calças e penetrou no povoado da forma mais natural que conseguia se impor. Ouviu de novo, várias vezes, a expressão admirativa:
         - Olha o Horácio de fraque! O Horácio de fraque!
         Procurando manter a sua dignidade, dirigiu-se à Igreja. A missa já andava pela metade. Persignou-se na entrada, percorreu uma distância pequena pelo corredor central à procura de uma vaga em um dos bancos do templo. Neste exato momento, o vigário que, àquela época celebrava a missa em latim, convidou, na língua mãe,  os fiéis a rezarem:
         - Orater, frater (Orai, irmãos).
         O Horácio, já calejado pelo que ouvira no caminho, entendeu que padre lhe dirigia a expressão repetindo o que tanto o aborrecera:
         - O Horácio de fraque!
         Retirou-se, quase bruscamente, desvestiu-se da indumentária nova e tomou o caminho de casa para desabafar a sua tristeza junto à companheira.
         Nunca mais vestiu o fraque no qual tanto investira e pelo qual tanto sonhara. Isto é, vestiu-o sim, anos depois quando, a pedido de Ermengarda, foi enterrado em traje de gala. 
A BRIGA

Zé Panguela deu a sua versão da briga em que se envolveu com o Tomezão Cavalo, nestes termos:
- Dei lá nele um rabo de arraia. O homão subiu uns três metros. Quando voltou, porque tudo que sobe desce, levou um safanão na faixada e rodopiou no ar, sem tocar no chão. Quando veio de novo, focinho no rumo da poeira, levou um contravapor e subiu outra vez, caindo uns cinco metros adiante. Caminhei até lá e plantei-lhe a mão na platibanda do comedor de farofa. Rodopiou e antes de tomar tenência levou uma rasteira. Comeu mais de três quilos da grama do lugar. Antes de digerir a gramínea, levou um soco tipo sacarrolha debaixo da papada. Subiu uns quatro metros e, antes de tocar o chão, levou outra pernada e subiu de novo, caindo numa moita de unha de gato a uns quinze metros do lugar. Fui lá, verifiquei o estrago e deixei o homem dormindo sono pra mais de três dias.
Interpelei o Zé Panguela nestes termos:
- E esses dois olhos roxos e estes dentes da frente quebrados? Que foi isto?
E ele, cara amarrada, beiçola crescida, nariz de batata assada:

- Cê é besta, home! Isto não é de sua conta.
O VIOLEIRO



Panicácio Peneira vagava, sem rumo certo,  pelas estradas do sertão. Era violeiro. Vivia de uma cantoria aqui, outra ali. Um desafio numa vila, uma festança noutra. Ia assim levando sua vidinha mais-ou-menos. Também não aspirava um futuro diferente.  Bebeu, comeu, dormiu. Pra quê mais?
Naquele princípio de noite, cansado de vagar pela estrada empoeirada, chegou a uma cabana à beira do caminho. Chamou à  porta e aguardou.  Chegou uma mulher, ainda jovem, que o recebeu desconfiada.
-  Pois não, senhor, o que deseja?
- Boa noite, moça. Estou andando desde cedo e só quero um lugarzinho para descansar por esta noite. Sou violeiro e estou indo cantar numa função lá na Vila dos Paneleiros.
- Ah, moço, não posso recebê-lo. É que sou viúva de poucos meses e, cê sabe, né, as pessoas vão falar.
- Mas, minha senhora, eu só quero dormir. Estou muito cansado da caminhada. Sou apenas um violeiro que quer chegar ao seu destino. Qualquer cantinho me serve. Quero apenas abrigo para esta noite fria.
A viúva, Carmelinda, entre uns trejeitos suspeitosos, acabou cedendo e dando abrigo ao Panicácio.
Manhã seguinte, mal o sol desenfurnava na montanha, o Peneira foi à bica lavar as platibandas da cara e chocalhar água pelo vão das bochechas. Na cabana a viúva já aviava um café no fogãozinho fumacento. No terreiro, os galináceos pescoçavam à procura de alguma cuiada de milho. O Panicácio, observou e comentou:
- Olha, dona Carmelinda, a senhora tem aqui umas dez galinhas e, pelo que vi, são oito galos. Não precisa tantos. Para estas galinhas um galo basta.
A viúva, recolhendo no bule o café que corria cheiroso, resmungou entre os dentes:
- A bem da verdade, moço, galo mesmo é um só.  Os outros sete são violeiros.
Nada mais disse. E nem precisava.
             
O PROFESSOR

            Arcibaldo Cuité era um dos poucos moradores da Vila da Cascalheira. Lugarzinho afastado das comunidades maiores, carecia de tudo. O comércio local se resumia a uma espelunca que vendia alguns cereais, algum comprimido mais corriqueiro e, principalmente, cachaça. A escolinha, esta, não tinha carteiras, nem quadro negro e nem mesmo professor. Caixotes e a parede da salinha atendiam precariamente essas necessidades. Dona Totonha, que mal garatujava umas letras, era a encarregada de ensinar às crianças do lugar. Naquele mês de novembro, entretanto, ficou meio perrengue – por conta de um desmantelo na espinha – e não conseguiu levar os seus parcos conhecimentos para as pobres vítimas de seus ensinamentos. A situação ficou complicada porque aproximava-se o final do ano. A criançada necessitava concluir o ciclo. A solução encontrada foi buscar o Arcibaldo. Sabia-se que ele dava conta de ler alguma coisa e gabava-se de saber fazer as quatro operações, desde que não se ajuntasse muitos algarismos.
            Passou ele na casa de Dona Totonha para informar-se de como desenvolver o seu mister. Dia seguinte cedo, lá estava ele frente à turminha curiosa. Seguindo orientações da dona Totonha, mandou que fizessem uma composição. E valeria nota. E deixou bem claro:
            - O assunto é por conta de cada um.
            As crianças dobraram-se sobre seus cadernos, cada uma se desincumbindo de sua tarefa. Lá do fundo da salinha, Miguelzinho Xumbrega levantou o bracinho mirrado e inquiriu o Mestre:
            - Professor, garrucha é com um erre só ou com dois erres?
            O Cuité cofiou o bigode ralo, correu a mão na base da nuca como a procurar uma solução que não vinha. Mas a pergunta carecia de resposta. Não se fez de rogado:
            - Olha, Miguelzinho. Se a garrucha for de um cano só, é com um erre. Mas se for garrucha de dois canos, aí é com dois erres.